Festival de literatura híbrida


No ano em que homenageia Graciliano Ramos, Flip também traz historiador que fala sobre Picasso e arquiteto que se inspirou em movimento brasileiro



Na edição em que homenageia Graciliano Ramos, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) vai trazer também para a pequena cidade no Sul Fluminense nomes vinculados a outras áreas do saber que não exatamente à literatura de ficção. Entre eles, se destaca o do historiador da arte inglês T. J. Clark, que está para publicar uma nova obra que promete revolucionar a forma de interpretar as produções artísticas de Pablo Picasso. 

Além de Clark, há dois nomes ligados à arquitetura que vão discutir historicamente a urbanidade: o crítico da revista americana “New Yorker” Paul Goldberger, e o português Eduardo Souto de Moura, vencedor do prêmio Pritzker (2011), a premiação mais conhecida da arquitetura.

“A Flip sempre abordou áreas diversas e não apenas a literatura, desde o seu início”, explicou o curador da festa, Miguel Conde, lembrando que a intenção sempre foi abordar arte e cultura, em suas mais diversas formas, com a literatura como eixo. “Esse ano, a ideia é explorar esse hibridismo, mesmo na parte ficcional”, disse, lembrando de escritores que misturam a ficção com poesia ou com uma pesquisa histórica, como é o caso, por exemplo, do bósnio Aleksander Hemon e do francês Laurent Binet, que vão dividir a mesa “O espelho da história”.

A programação de todo o evento foi apresentada na manhã desta quinta-feira (23), em um evento no Parque Laje, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Sem nomes muito conhecidos da ficção internacional, à exceção, talvez, do francês Michel Houellebecq, vencedor do prêmio Goncourt de 2010, o mais prestigioso da literatura francesa, parece que a aposta, este ano, foi realmente no hibridismo. Inclusive ressaltado por Conde, que lembrou que haverá duas mesas ligadas, direta ou indiretamente ao ensaio, esse estilo literário que fica a meio caminho das prateleiras de ficção e não-ficção.

Sobre Souto de Moura, Mauro Munhoz, diretor-presidente da associação Casa-Azul, que organiza a Flip, faz parte de uma geração de arquitetos portugueses que se inspiraram no Brasil para tentar valorizar raízes culturais lusas e, a partir daí, para criar uma linguagem contemporânea. “Eles seguiram os exemplos das pesquisas de Mário de Andrade, Lúcio Costa e Oswald de Andrade”, disse, defendendo uma ideia de uma arquitetura mais relacionada ao que ele chamou de “equacionamento territorial”. Segundo ele, esse conceito tem a ver com a proposta da festa, e, consequentemente, da cidade de Parati, em que se tenta preservar a história da cidade, além de mostrar a importância, até mesmo econômica, da cultura e da arte.

Já sobre o inglês Timothy James Clark, o curador da Flip sugere que ele seja um dos mais influentes historiadores da arte atualmente. “Será uma oportunidade de assistir em primeira mão à sua nova interpretação de Picasso.” Em seu novo livro, chamado em inglês de “Picasso and truth” ( “Picasso e verdade”), Clark tenta responder à questão se o pintor espanhol foi o grande nome das artes do século XX. Picasso, de acordo com Clark, seria o artista com quem Nietzsche havia imaginado, ainda no fim do século anterior, que nos libertaria da ilusão da verdade.



Graciliano Ramos / Divulgação
Graciliano Ramos / Divulgação



O grande homenageado, Graciliano Ramos, será representado em, ao menos, quatro mesas. A começar pela conferência de abertura, protagonizada pelo escritor Milton Hatoum. 

Ele vai abordar como a preocupação social do autor de “Angústia” também poderia ser encontrada em seu estilo: “A literatura que se deseja crítica deve ser, primeiramente, autocrítica”, disse Conde, mostrando que não precisa existir confronto entre a ideia de concisão e aspereza. No domingo, uma mesa com Wander Melo Miranda, Lourival Holanda e Erwin Torralbo Gimenez vai falar sobre como a linguagem de Graciliano não era realista, do tipo documental, mas moderna e reflete sobre si mesma. 

Na sexta, Randal Johnson, Sergio Miceli e Dênis de Moraes vão mostrar que o engajamento político de Graciliano não era ortodoxo, fazendo com que o escritor se recusasse a colocar a sua arte a serviço da política. Além disso, o cineasta Nelson Pereira dos Santos vai fazer um balanço de sua carreira e, certamente, abordar suas duas adaptações de obras de Graciliano (“Vidas secas” e “Memórias do cárcere”).




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