Fim das torturas nem sempre significava liberdade

Ex-perseguidos políticos relatam as violações de direitos humanos que sofreram no Brasil nos anos da repressão.


O fim das torturas e a saída da prisão não necessariamente representaram a liberdade para os sobreviventes de graves violações de direitos humanos.

Tampouco o fim das perseguições. É o que relata uma jovem presa pela equipe de Lourival Gaeta (“Capitão Maurício”), da Oban, em 1969. A abordagem mencionada ocorreu cerca de um mês depois que ela foi posta em liberdade:

“Fui abordada pelo capitão Maurício, que veio falar comigo, na faculdade. Eu tive uma crise de choro, que eu não parava de chorar. Não parava! Ele me puxou para um canto e falou, claramente, assim: ‘Por favor, pare de chorar porque senão as pessoas vão pensar que eu sou um monstro’.


A jovem diz que ele voltou a falar com ela em outras vezes."Pra mim, parecia assim, que ele estava sinalizando: ‘Olha, tô de olho, viu?’. Tinha um pouco essa cara. Então, o clima de falta de liberdade, de você se sentir vigiado, é uma coisa pavorosa! Porque, por trás disso, tem todo medo, toda ameaça...Havia uma falta de liberdade muito grande, um sentimento de medo o tempo todo.”

O jornalista Flávio Tavares, preso, torturado e banido do País, foi assombrado durante uma década por um pesadelo recorrente.

“Ao longo dos meus dez anos de exílio, um sonho acompanhou-me de tempos em tempos, intermitente. Repetia-se sempre igual, com pequenas variantes. Meu sexo me saía do corpo, caía-me nas mãos como um parafuso solto. E, como um parafuso de carne vermelha, eu voltava a parafusá-lo, encaixando-o entre minhas pernas, um palmo abaixo do umbigo, no seu lugar de sempre. Sonhei no México, em 1969, com meu pênis saindo-me pelas mãos, seguro na palma esquerda, com os dedos da mão direita buscando sentir, aflitos, se ele ainda pulsava, se o sangue nele corria, se meu sexo ainda vivia."

Segundo o jornalisa, na Argentina, o único país de exílio que escolheu voluntariamente, houve momentos em que o pesadelo apagou-se.

"No topo das ameaças e do terror político dos anos 1970, voltou a aparecer. Mais terrível que o pesadelo era o levantar-se com ele, na dúvida, naquelas frações de segundo entreabertas entre a noite e o amanhecer, sem saber se fora apenas sonho mesmo ou despertar de uma realidade cloroformizada pela vida. Meu sexo saía do lugar sem mais nada, como uma espécie de folha caída. Só isso. Mas a angústia disso foi uma dor que me perseguiu quase constantemente pouco depois que, no México – ao final dos meus primeiros 45 dias de liberdade –, começaram a desaparecer os anéis escuros, de um tênue marrom filigranado, com que meu pênis tinha sido marcado pelos choques elétricos no quartel-prisão no Rio de Janeiro, em agosto de 1969”.

Fonte: Portal Brasil

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