A solução do problema para Locke exigia a necessária separação dos assuntos do Estado daqueles da Igreja
Voltaire Schilling
Desde a Reforma Protestante, desencadeada em 1517, a Cristandade se dividira em dois campos de ódio. Acusando uns aos outros de heréticos, católicos e as mais diversas seitas religiosas que desafiaram a autoridade de Roma, entraram em guerra permanente entre si ensangüentando a Europa ocidental. Como dar um basta naquele morticínio sem fim? Este foi o desafio que o filósofo John Locke enfrentou com sua proposta da tolerância.
O ódio teológico
Em seguida da insurgência teológica de Lutero, em 1517, foram os camponeses alemães quem se rebelaram na sangrenta Bauerkrieg, na Grande Guerra Camponesa de 1524-1526, depois os príncipes luteranos insurgiram-se contra o Império de Carlos V, e a Holanda calvinista pegou em armas contra o domínio católico (1568-1648).
A França, por sua vez, conheceu, a partir de 1562, oito guerras religiosas movidas pela Santa Liga contra a União Calvinista que tiveram seu ápice com a matança da Noite de São Bartolomeu (1572), sem omitir-se a instalação do Santo Oficio encarregado pelo Papado de dar combate às heresias nos reinos católicos. Até que a Europa inteira, dividia em dois campos hostis, convulsionou-se durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Entre 1642 e 1658 tocou à Inglaterra padecer com a Revolução Puritana e com a ditadura de Cromwell. Quando um príncipe se proclamava por uma das crenças, considerava inimigo do estado quem não o seguisse. Milhares de europeus pereceram devido ao ódio teológico que separou católicos dos protestantes, que inclusive alcançou as terras do Novo Mundo.
Em todas aquelas ocasiões, as partes em conflito consideravam-se as verdadeiras seguidoras de Deus, enquanto que seus inimigos certamente eram guiados pelo anticristo, senão que próprio Satanás.
Filosofia contra o fanatismo
A Reforma e Contra-Reforma por mais de um século dilaceraram a Europa Ocidental fazendo com que os propósitos generosos e pacíficos do cristianismo se transformassem em letra morta. Onde os protestantes se afirmavam, baniam os católicos e vice versa. Assim como por todos os lados implantou-se férrea censura e perseguição aos livre-pensadores.
Os pactos acertados tinham fôlego curto - como foi o caso do Édito de Tolerância de Catarina de Médici, a rainha da França, assinado em 1562. Não se dava abrigo a ninguém. Estavam seguros os fanáticos, ironizou Voltaire, ¿de alcançar a glória divina quando vos corta o pescoço¿ (in Dicionário Filosófico, fanatismo).
A desgraça da vida devota era de rapidamente deixava-se dominar pelo faccionismo cego, por monges e pastores extremistas que injetavam aversão e intolerância nos seus seguidores. O remédio estava na filosofia, visto que esta deixava a 'alma tranqüila', expulsando de si as crenças radicais e insanas, abrindo espaço para soluções razoáveis e realistas que permitiriam o bom convívio entre os homens.
Os humanistas
Naquele mesmo século em que a Reforma se expandira, diversos humanistas já haviam se manifestado contra o predomínio de uma só religião. O francês Sebastian Castellio, um teólogo erudito seguidor ainda que crítico de Calvino, no seu tratado publicado em latim De haereticis , um sint persequendi, 'Sobre os hereges: se devem ou não ser perseguidos', em 1554, afirmou que o importante era levar uma 'vida genuinamente cristã', e 'de viver de um modo santo, justo e religioso', fazendo com que a disputas doutrinarias não tivessem a importância que se outorgavam.
Se a crença é verdadeira, nada deve impedir a sua prática. De qualquer maneira era preciso evitar a 'coação das consciências' e a atitude de 'lutar e matar-se uns aos outros', conclamando a que católicos e protestantes vivem lado a lado em harmonia - esta era a única forma de ¿evitar a ruína da república'.
A ele juntou-se Jean Bodin, o mais poderoso pensador político da França no século XVI, que também se posicionou a favor da liberdade religiosa. As questões de fé não se equivaliam às da ciência, consequentemente era um absurdo acreditar-se numa 'verdadeira religião'.
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