Abdias do Nascimento - O ícone negro


Abdias, atuando como parlamentar / foto: Reprodução do site oficial

Abdias, atuando como parlamentar / foto: Reprodução do site Oficial

Um dos principais nomes na luta contra o racismo, o professor, dramaturgo e político, entre outras atividades, Abdias do Nascimento morreu aos 97 anos, no Rio

Só na Revista de História, ele já foi chamado de “militante de longa data do movimento negro”, professor, jornalista, figura destacada, dramaturgo, uma das figuras fundamentais da cultura, da política e da militância negra, um dos grandes intelectuais engajados nas lutas libertárias dos negros em âmbito mundial, e até, numa reprodução de um relatório do Serviço Nacional de Informação, de “conhecido racista negro”. É inegável, portanto, a perda do homem Abdias do Nascimento, que morreu nesta terça-feira (24), no Rio, aos 97 anos.


Esse citado relatório, cuja transcrição do trecho aparece no artigo dos pesquisadores Verena Alberti e Amilcar Araujo Pereira, demonstra, até de maneira irônica, o seu papel contra a desigualdade racial. Segundo o artigo, Abdias do Nascimento havia se exilado em 1968 no EUA, onde fora professor em várias universidades. Como combatia o mito da chamada “democracia racial”, ele apontava para o fato de haver racismo no Brasil – que era considerado inexistente. Logo, numa lógica torta, por reconhecer essa discriminação, ele era racista. 

Em seu site pessoal, descobre-se que Abdias nasceu em Franca (SP), em 1914, e atuou “na dramaturgia, poesia e pintura, no engajamento na luta internacional pan-africanista” e “como deputado federal, senador e secretário de estado”. Aos 15 anos, ele se alistou no Exército e foi morar em São Paulo, capital, quando participou da Frente Negra Brasileira, que combatia a segregação racial no comércio. Em 1938, organizou o Congresso Afro-Campineiro. Em 1944, fundou o Teatro Experimental Negro, um dos marcos da dramaturgia moderna brasileira. Além da preocupação artística, sua prioridade, o TEN também se dedicava a projetos de cidadania, como a alfabetização de seu elenco, que tinha operários, empregadas domésticas, favelados sem profissão definida e modestos funcionários públicos. Em 1950, Abdias, à frente do TEN, organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro. 



Egresso do PTB, Abdias organizou no exílio a fundação do PDT, onde, já de volta ao Brasil, em 1981, teve parta na criação da Secretaria do Movimento Negro do PDT. Como deputado, apresentou projeto de lei que criminaliza o racismo. Foi ainda senador, Secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro e primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos. 

Como diz uma resenha sobre uma de suas biografias: “vale a pena conhecer a história desse grande homem engajado em causas nobres”. Nelson Rodrigues, outro homem do teatro, elogiando a peça de Abdias "Sortilégio: mistério negro", lembra que, apesar do que se diz no Brasil, há preconceito racial, e que Abdias não tinha vergonha de ser negro. "O que eu admiro em Abdias do Nascimento é a sua irredutível consciência racial. Por outras palavras: trata-se de um negro que se apresenta como tal, que não se envergonha de sê-lo e que esfrega a cor na cara de todo o mundo", escreveu. 

Entrevistado pela revista "Acervo", do Arquivo Nacional, em 2009, se mostrou otimista e confiante no futuro. "O negro neste país está acordado, alerta, e vai continuar sua luta sempre. Isto é um processo irreversível! Espero que o Brasil tenha a sensatez de ouvir-lhe os gritos em vez de se fazer de surdo. O negro no Brasil é maioria, e democraticamente no futuro deve assumir a direção do país! É só uma questão de tempo e de aprimoramento das instituições democráticas."

Segundo o "Estadão", a causa da morte não foi revelada. A "Folha de S. Paulo" afirma que ele estava internado desde abril e que não há informações sobre velório ou o enterro.

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