A Força das Armas na Política de Maquiavel


A história humana, como afirma um dos fundadores da Nova História, – Marc Bloch, é o estudo do Homem em uma análise do seu tempo. Mas a fonte de todas as calamidades da humanidade invoca uma História belicosa, uma História de guerras, conquistas, derrotas e vitórias. Por essa razão, vale recuperar uma pergunta central no “Príncipe” de Maquiavel: como medir as forças de todos os Estados? Questão válida para refletir o valor de um exército nacional na proteção dos governos modernos.

É no cenário renascentista italiano (Florença do século XVI) que Nicolau Maquiavel escreve a sua obra-prima “O Príncipe”, onde realiza uma análise política consistente sobre como deve agir um soberano com prudência ou valor próprio (virtu) para manter um governo já existente ou conquistar um novo. Para esse pensador florentino, duas coisas são os sustentáculos que garante estabilidade e segurança a um governo soberano: boas leis e boas armas. A concepção é de que é impossível existir boas leis se antes destas não existirem as boas armas. É nesta perspectiva que iremos maturar as considerações de Maquiavel acerca das forças armadas, do exército permanente nascido no período absolutista da História.

Nenhum soberano permaneceu no poder por muito tempo sem o auxílio das armas. Encontraremos exemplos de príncipes que chegaram ao poder pelo que Maquiavel chamaria de “sorte”, de oportunidade, mas faltando-lhes a “astúcia afortunada” ou o valor próprio, estes não se manteriam no trono com facilidade pois não seriam dignos dele pela ausência de valores que são inerentes ao príncipe. Na compreensão destes valores podemos entender a natureza militar que um soberano deve possuir para garantir o seu domínio, bem como conquistar novos horizontes. Não foi assim com Dario, Alexandre, Napoleão Bonaparte e tantos outros? Todavia, apesar da era absolutista necessitar por questões de sobrevivência em um momento de descoberta de novas fronteiras, de um “Novo Mundo”, do caráter belicoso para não definhar diante dos ousados e fortes inimigos, é necessário que analisemos com quais tipos de forças armadas um líder de Estado deve contar.

A preocupação de Maquiavel sobre a formação das tropas militares daquela época partiu de uma ótica centrada na Itália que possuía uma prática militar de recrutamento mercenário. No entanto, não devemos passar por essa questão sem antes notarmos que o século XVI estaria vivendo uma ascensão urbana, uma espécie de “evolução” daquelas cidades que se reorganizavam de uma Idade Média que transitava do rural para o urbano, onde a “contratação” de trabalhadores livres se fazia necessária (tanto para o trabalhador como para o ‘empregador’). 

É neste sentido que podemos enxergar esse recrutamento assalariado de soldados mercenários em muitas partes da Europa ocidental, inclusive na Itália, grande pólo de cidades comerciais daquela época; basta notarmos que o salário seria algo essencial e vital demais para um mundo que iniciara o processo de compra e venda de mão-de-obra (tratando-se em termos monetários), e uma destas profissionalizações (talvez a mais importante) se deu na figura do soldado.

Assim como os analistas políticos de hoje encontram problemas e tentam solucionar, teoricamente, as enfermidades sociais, Maquiavel (o primeiro a realizar esta tarefa) enxerga em sua época algo que surgiu com os novos rumos que a sociedade tomava quanto a constituição de forças armadas: a constituição de tropas mercenárias. O soberano de valor próprio, o príncipe prudente deve sempre evitar constituir tropas com soldados que não sejam os seus, com forças que não sejam genuinamente suas. Formar um exército mercenário significa colocar em risco a integridade do governo e a força da nação, pois o “salário modesto” oferecido não seria o suficiente para que neste tipo de soldado florescesse o sentimento patriota, o desejo de vitória acima de qualquer outro princípio. Em suma, o mercenário não morreria pelo soberano, pelo Estado.

Além do que, o risco que o príncipe corria de aprisionar o seu domínio a um outro era grandioso, pois se “um exército mercenário perde, será apenas uma derrota; se este vence, a vitória aprisionará o soberano que utilizou destas forças” porque não mais conseguirá sair da dependência de homens que não são seus, tornando os seus legítimos covardes e inseguros que irão lutar apenas com a ajuda de outros. Portanto, as tropas mercenárias são exércitos erguidos de forma errada para Maquiavel, algo que pode levar o Estado soberano às ruínas do fracasso.

Na solução do problema levantado, Maquiavel afirma que a prudência levará o príncipe a constituir sempre exércitos nacionais, e a contar com as suas próprias forças justamente pelo risco de fracassar com as insuficientes tropas mercenárias que, podiam ter habilidade de guerrear (ou não) mas não teriam o desejo de vitória acima de qualquer preço, de qualquer “soldo”. Para manter a estabilidade do seu reino, o soberano deveria ter a percepção aguçada (acima dos homens comuns) de desviar-se desta enfermidade que poderia arruiná-lo e ao seu povo. Um exército nacional próprio necessitava, para Maquiavel, não somente de leis militares, como também de um “habitus” novo, ou seja, um código de honra, um sentimento de nacionalidade, uma total fidelidade ao Estado.

A análise de Maquiavel sobre o papel dos exércitos, suas motivações para a guerra em defesa de um Estado, o uso privado das armas (institucionalizadas ou não), serve-nos, além de tudo, para entender a belicosa natureza humana, confirmando a necessidade do controle sobre os impulsos racionais ou emocionais dos homens, especialmente, quando eles não mais têm o sentimento de honra, respeito e amor pela sua pátria.

* Acadêmico de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) 

Fonte: historianet                          
Por Mariano de Azevedo Júnior*

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