Luiz
Inácio falou: "Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação
num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão".
Como o apóstolo ganhou infâmia na condição de quem traiu a confiança de Cristo
em troca de dinheiro, a frase do presidente Lula irritou a Igreja e provocou
diferentes reações acerca do sentido da traição e sobre como se governa o
Brasil.
Na política, e em todas as formas de relações sociais, trair simboliza
deslealdade ou infidelidade. Geralmente, o suposto traidor busca vantagens
pessoais ou posições de poder. Mas há situações em que pessoas abandonam seu
partido ou evitam adotar teses defendidas por ele apenas para manter a
coerência com os ideais originários da agremiação.
Casos de traição política no Brasil não são recentes. No século 18, o delator
Joaquim Silvério dos Reis levou à morte Tiradentes. O líder comunista Luis
Carlos Prestes, preso pelo governo Vargas no Estado Novo (o mesmo que entregou
sua mulher, Olga Benário, para os nazistas), depois apoiou Getulio para as
eleições presidenciais de 1950. Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Paulo Maluf e
muitos outros colecionam histórias em que figuraram tanto como traídos quanto
como traidores.
Mas fatos mais recentes ocorridos com Lula e com o Partido dos Trabalhadores
ilustram bem a polêmica em torno do que se considera traição política. Fundado
em 1980 com orientação programática socialista e crítica ao capitalismo, o PT
se colocou como alternativa (quase única) para a construção de uma sociedade
mais justa rejeitando acordos com partidos de centro para a direita. Assim,
perdeu as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998 tendo Lula como candidato.
Em 2002, ampliou alianças para viabilizar a vitória. Porém, tal objetivo não
seria alcançado sem que o PT abdicasse da defesa irrestrita de bandeiras
históricas, como o rompimento com o FMI e a taxação de fortunas. A candidatura
de Lula, enfim, atraiu um grande empresário, o então senador José de Alencar,
do Partido Liberal, de bandeiras opostas. A formação do governo também
surpreendeu, a exemplo da nomeação do tucano Henrique Meirelles (hoje no PMDB)
para presidir o Banco Central.
Quem traiu quem? Os dissidentes, que fundaram um novo ou migraram para outros
partidos, ou o PT, que assumiu a impossibilidade de vencer e administrar sem
fazer acordos? Em nome da governabilidade, Lula atraiu antigos
"inimigos", como os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor. Mas
o uso do termo traição acerca do momento vivido pelo PT não foi reivindicado só
por dissidentes. Em 12/8/2005, o presidente Lula foi à TV falar sobre o
mensalão:
"Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis. Indignado pelas
revelações que chocam o país, e sobre as quais eu não tinha qualquer
conhecimento"
É inegável que, ao buscar novas alianças, Lula teria de
abrir mão de certos princípios. O pragmatistmo rendeu vitórias em 2002 e 2006,
mas o presidencialismo brasileiro não permite, salvo raras situações, que o
eleito consiga maioria suficiente para garantir governabilidade apenas com o
resultado das urnas. Desse modo, não resta alternativa senão compor o governo
com forças que estavam na oposição, o que requer acordos que geralmente passam
por ceder espaços na máquina pública. O grupo que adere deveria fazê-lo por
objetivos programáticos comuns, mas isso, concretamente, não ocorre. No
Congresso, a barganha acontece principalmente com o pagamento de emendas
parlamentares. Ambas as práticas não são exclusivas do atual mandatário.
Agora, se Lula sentiu-se traído por companheiros no auge da crise do mensalão e
indicou que, para governar, precisa se unir a supostos adversários, não seria
exagero dizer que muitos petistas ou ex-petistas experimentam a mesma sensação
ao verificar os mecanismos para obter a governabilidade na gestão Lula.
A grande questão que fica é: poderia ter sido diferente? Teria razão Maquiavel
ao afirmar que a política tem uma lógica própria?
*Marco Antônio Carvalho Teixeira Cientista político, é professor e
pesquisador da Fundação Getúlio Vargas - SP
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