Responsável pela exumação dos corpos de D. Pedro I, D. Leopoldina e D. Amélia, a arqueóloga Valdirene Ambiel fala sobre a trajetória de sua pesquisa
Responsável pela exumação dos corpos de D. Pedro I, D. Leopoldina e D. Amélia, a arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel fala sobre as dificuldades e motivações de sua pesquisa.
O trabalho que culminou em dissertação de mestrado defendida por ela neste mês, no Museu de Arqueologia da USP, utiliza a tecnologia de hoje para responder perguntas do passado e desmistifica algumas lendas que, em suas palavras, “todo museu tem”.
Revista de História: Como surgiu a ideia da pesquisa? Quanto tempo durou?
Valdirene do Carmo Ambiel: Passei toda a minha
infância brincando no bairro do Ipiranga. Via os problemas de
infiltração de água nos monumentos e, mais recentemente, passei a temer
que essa umidade pudesse causar danos irreversíveis aos despojos
enterrados ali.
Quando eu tive a oportunidade
de começar meu mestrado em arqueologia, pensei em fazer algo em prol
dessa preocupação que já tinha.
Eu estudava a participação política de
D. Leopoldina no processo de independência. Em 2011, comecei o mestrado e
passei por todo o processo de conseguir as permissões: da família
Imperial, Prefeitura de São Paulo, depois do Iphan; depois, começamos o
trabalho de campo na Capela Imperial, em fevereiro de 2012.
RH: Quem mais esteve envolvido no processo?
VCA: Na verdade, meu trabalho envolve basicamente todas
as áreas do conhecimento, tenho apoio do Instituto de Física da USP, do
Instituto de Biomédicas. Utilizamos várias técnicas, optei pelas não
destrutivas, como fluorescência de raio x, que serviram pra detectar as
contaminações, utilizamos a própria tomografia, além dos procedimentos
de praxe da arqueologia.
RH: A ideia de exumação dos corpos partiu de você?
VCA: Isso sempre partiu de mim, exatamente pela
preocupação que eu já tinha com relação ao estado que esses corpos
podiam estar. E com relação ao que podíamos fazer para preservar. Pelo
contrario, eu que tive que procurar a família para pedir permissão.
RH: Quais foram as principais dificuldades encontradas?
VCA: A dificuldade principal foi localizar onde estava
o sepulcro de D. Amélia. Não se tinha nenhum tipo de documento que
indicasse onde ele tinha sido feito. Eu cheguei até o corpo porque eu
consegui o contato do responsável da Prefeitura de São Paulo, na época
do traslado, em 1982.
RH: A prática de exumação de corpos para fins arqueológicos e historiográficos é pouco comum no Brasil. Por quê?
VCA: Não sei. Eu acho que a arqueologia funerária aqui
no Brasil, a arqueologia em geral, ainda “anda mal das pernas”. O que
você vê é um interesse
maior pela pré-história. Mas eu participei de vários trabalhos no
Nordeste onde tivemos que fazer a exumação de alguns corpos e percebi
que realmente em alguns casos isso é um tabu.
Mas acredito que com os
trabalhos que foram feitos no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, por
exemplo, as coisas possam mudar.
RH: Acha que seu estudo pode servir como inspiração para que mais pesquisas deste tipo ocorram?
VCA: Na verdade, eu espero que isso aconteça, não
porque eu acredite que meu trabalho seja tão fantástico, existem vários
trabalhos maravilhosos que foram feitos no passado e continuam sendo
feitos.
Mas espero que sirva de inspiração para que as pessoas conheçam o
trabalho da arqueologia, respeitem a arqueologia e a própria História
do Brasil, que tem varias questões que ainda não foram “esclarecidas”.
Existem vários pontos que merecem uma atenção maior tanto por parte da
historiografia quanto da arqueologia.
RH: De onde teria surgido o boato do fêmur quebrado da imperatriz Leopoldina?
VCA: Na verdade, a primeira vez que eu ouvi esse
boato, eu estava trabalhando no museu de São Cristóvão. É cultura
popular, a imprensa adora falar disso... Mas isso é uma lenda que existe
na própria região de São Cristóvão, de funcionários do próprio museu,
existe o rumor que houve essa queda.
Mas o que eu sempre insisto sempre é
que o que nós sabemos através de relatos e fontes primárias [e não
através desse estudo] é a questão do pontapé, quando ela estava grávida.
A mais antiga publicação que eu vi sobre isso foi uma obra do
historiador Paulo Setúbal. A questão de rolar a escada é uma coisa que a
imprensa adorou, mas isso não existe. É lenda que todo museu tem.
RH:Mas o fato do fêmur não está quebrado prova que ela não sofreu agressão antes de morrer?
VCA: Eu fiquei curiosa porque o que eu conhecia era a
questão do pontapé, mas não o empurrão no topo da escada. Eu até pedi
uma atenção maior aos médicos que realizaram a tomografia para os
fêmures dela. E não havia nenhuma marca de fratura, não só nos fêmures,
mas no corpo inteiro.
A morte dela não foi ocasionada por um ato de
violência. Pesquisando em fontes primárias da época, boletins médicos da
época, descobri que a ida do D. Pedro para a Cisplatina aconteceu em 23
de novembro [saiba mais sobre o assunto aqui]
e o quadro clínico da imperatriz começou a piorar em 30 de novembro de
1826, ou seja, é muito tempo para que uma agressão física possa ter
causado esse mal para a imperatriz.
Eu não posso afirmar o que causou a
morte, mas acreditamos que tenha sido uma infecção generalizada por
causa do aborto. Mas o aborto não foi consequência de um ato de
agressão. Entretanto, não aposso afirmar que o Imperador nunca agrediu
fisicamente a imperatriz. Apenas que a agressão nunca causou fratura.
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