A quem devemos chamar de doutor?



Os casos de inconformismo com o adequado tratamento pessoal neste país tem tomado proporções desmesuradas ultimamente, como foi o recente caso não isolado de um magistrado carioca que pretendendo obrigar o porteiro de seu prédio a lhe chamar de doutor, recorreu à Justiça. 

Ao recorrer para tal desiderato, teve seu pedido em primeira instância julgado improcedente, inobstante haver o postulante invocado um secular decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, que criou os cursos de Ciências Jurídicas no Brasil, o qual havia conferido aos bacharéis de Direito o título de doutor. 

Houve apelo ao TJRJ para tentar reverter a decisão que não acolheu o tratamento cerimonioso em pauta. 

Evidentemente que não haverá resguardo ao citado diploma legal uma vez que este decreto não foi recepcionado pela atual Constituição por afrontar o tão proclamado princípio da igualdade.
 
Etimologicamente, o vocábulo doutor procede do verbo latino docere que significa ensinar, trazendo em sua raiz o trabalho intelectual acadêmico como inspiração. 

Não é sinônimo de simples graduação ou alguma prática clínica ou jurídica. Da mesma família é a palavra docto ou douto que significa instruído, sábio, hábil. 

Há várias fontes que podem ajudar a elucidar o dilema como a histórica, os usos e costumes, a legislativa, inclusive a própria bíblia como se observa em Mateus, capítulo 23:1-7; 23-27 ou até mesmo a prática da concessão de alguns títulos concedidos a certas figuras exponenciais como Roger Bacon por seus conhecimentos de filosofia e ciência, Santo Tomás de Aquino etc. Mas não são tão eficientes e elucidativos como o artigo 53, VI da lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB), muito embora seja preciso saber dimensionar a questão. 

Nesta linha de raciocínio o dicionário Aurélio Buarque de Holanda é bastante esclarecedor ao nos orientar neste sentido: 

É aquele que se formou numa universidade e recebeu a mais alta graduação desta após haver defendido tese em determinada disciplina literária, artística ou científica.” 

Assim, doutor não é forma de tratamento vulgar, mas título acadêmico utilizado apenas quando se apresente tese a uma banca e esta julgar o candidato apto e merecedor através de suas qualidades e sabença, poder ostentar o título, portanto, “doutor” não é forma de tratamento e sim título acadêmico. Evite usá-lo indiscriminadamente!
 
No Brasil, esta forma de tratamento vem sendo utilizada de maneira errônea e indiscriminada, geralmente associada ao status de um indivíduo. 

Seu uso adveio de algumas profissões e cargos que se intitulavam - umas mais nobres que as outras - como observou Marilena Chauí, naquilo que esta autora chama de “cultura senhoral”, o que desenvolveu em nossa cultura um fascínio pelos signos de poder e prestígio, como se depreende do uso de títulos honoríficos sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição.
 
Silney Alves Tadeu
Professor da UFPel

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