Os muitos avôs do Viagra



As navegações trouxeram novas receitas para a cozinha afrodisíaca, de testículos de galo até a sem graça jaca



Mary Del Priore

Numa sociedade patriarcal, os homens não só usam de violência contra as mulheres. São cruéis entre si também. Sobretudo quando um deles demonstra alguma fragilidade. E a impotência é uma delas. 

Ao longo de séculos, na literatura e na poesia, não faltaram indicações do sonho de ereções permanentes. Mas por que tanta ansiedade para restaurar o arsenal sexual? Porque o "crescei e multiplicai-vos" era obrigatório. Estava na Bíblia. 

Era papel do homem garantir essa operação. Um documento papal, datado de 1587, definia a impotência masculina como um impedimento público ao sacramento do matrimônio. Processos contra "maridos frígidos" foram comuns na Europa entre os séculos 16 e 18. Não faltaram julgamentos públicos, nos quais os homens tinham que fazer, seminus, "exames de elasticidade", ou de ereção.

Ter prazer, para os homens, era obrigatório! E, apesar do controle da Igreja sobre a sexualidade, a lenha foi colocada na fogueira do erotismo com as viagens ultramarinas. A razão? O convívio pioneiro com as culturas de além-mar apimentou a Europa, em particular Portugal, com novas sensualidades. 

Assistiu-se à expansão de uma gastronomia à base de afrodisíacos. Cada vez mais, consumiam-se sopas de testículos de ovelhas, omeletes de testículos de galo, cebolas cruas, pinhões e trufas, entre outras substâncias usadas na culinária encarregada de estimular o desejo.

Para melhorar o desempenho, nada melhor que os afrodisíacos importados da Ásia. Um dos cronistas a perceber esse desbravamento sensorial foi Garcia da Orta. De origem hebraica e amigo do escritor Luís de Camões, foi o primeiro a repertoriar os afrodisíacos largamente utilizados nessa parte do mundo. Ele não apenas menciona a Cannabis sativa (maconha) como exalta também as virtudes do ópio.

Fundamentado em sua convivência com os indianos, Orta sabia que ambos eram usados como excitantes capazes de duas funções: agilizar a "virtude imaginativa" e retardar a "virtude expulsiva", ou seja, controlar o orgasmo e a ejaculação. Além desses dois produtos, menciona o bétele, uma piperácea (planta aromática) presente em muitas regiões banhadas pelo oceano Índico. 


Sobre ela, diz que "a mulher que há de tratar amores nunca fala com o homem sem que o traga mastigado na boca primeiro".

Primeiro encarregado de fazer um relatório de história natural do Brasil, o holandês Guilherme Piso registrou também algumas plantas afrodisíacas. Segundo ele, tanto "a bacoba quanto a banana são consideradas plantas que excitam o venéreo adormecido". 

Ou sobre o amendoim: "Os portugueses vendem diariamente o ano todo, afirmando que podem tornar o homem mais forte e mais capaz para os deveres conjugais".

Livros mencionam substâncias extraídas do reino animal: genitais de galo, cérebro de leopardo, formigas voadoras. Entre as sugestões vegetais, encontram-se a jaca, as orquídeas e os pinhões


No item de receitas próprias para "engendrar e facilitar a ereção e o coito", as ostras, o chocolate e a cebola eram apreciadíssimos, assim como alcachofra, pera, cogumelos e trufas.

Coisa de gente antiga? Definitivamente, não. De acordo com uma pesquisa feita pela clínica Pro-Pater Promoção da Paternidade, de São Paulo, dos 52 mil homens que a procuraram durante 9 anos, 52% admitiram ser maus amantes, revelando uma baixa auto-estima enorme.

Por Mary Del Priore, doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.





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