A nova fé


Aos poucos, nos últimos anos, vamo-nos habituados ao convívio com uma nova linguagem e com uma nova crença que, de algum forma, cresceu e difundiu-se a partir das ruínas do comunismo e dos abalos sofridos pela Igreja Católica e demais religiões, submetidas ao vento transformadores dos tempos da globalização. 

Explorando o vazio deixado por elas, lentamente ergue-se no cenário mundial uma Nova Fé, resultante da crise da religião, do desastre do comunismo e da emergência do ambientalismo.


O anjo de Picasso, possível símbolo de um Nova Fé laica

O abalo dos dogmas 

F.Nietzsche - "Ao invés de se mostrarem à altura da insustentável solidão da sua condição, os homens continuam à procura do seu Deus despedaçado e por Ele amarão até as serpentes que moram em meio das Suas ruínas"

Num espaço curto de tempo, historicamente brevíssimo, entre 1960 - 1990, dois colossos erguidos pelo dogmatismo, inteiramente opostos, um religioso o outro secular, deram para recuar. Em 1962, atendendo à convocação do Papa João XXIII, os altos dignatários da Igreja Católica, vindos do mundo inteiro, reuniram-se no Concílio Vaticano II para uma grande reforma. A intenção papal era louvável. Trava-se de abrir a venerável instituição para o mundo moderno, para as coisas de hoje, como bem asseguraram os 17 documentos publicados (destacando-se entre eles o Lumen Gentium, de 1964 oGaudium et Spes, de 1965). 

Centenários costumes e liturgias católicas foram então abolidos, mas ao reconhecer que a instituição de Cristo manteve-se por tanto tempo no equívoco, afetou seu carisma de congregação santificada. Nunca mais ela recuperou a plenitude. Ao tempo em que a Igreja Católica era pressionada por campanhas à favor do fim do celibato dos padres, o engajamento a favor dos pobres, e por uma tolerância ao divórcio, o mundo soviético também dava os seus sinais de exaustão. Situação que culminou no destroçar do Muro de Berlim, em 1989. Num nada, a coisa toda ruiu. Entre golpes e contragolpes a URSS deixou de existir em 1991. 

Duas certezas universais até então inabaláveis, duas infalibilidades, uma sagrada, a outra profana, o catolicismo e o comunismo (que não podem ser comparados em suas proposições doutrinárias finais), deram para evaporar. Enquanto a Igreja Católica ainda manteve-se em relativa coesão graças ao pulso firme do Papa João Paulo II e do seu lugar-tenente, o Cardeal Ratzinger, a pobre Rússia resvalava liqüefeita por entre as mãos tremulas do Presidente Bóris Ieltsin, um patético dipsomaníaco.

Um novo campo se abriu


Com o fim do muro de Berlim o horizonte deixou de ser vermelho

Seja como for, um abalo em Roma e outro em Moscou, fez com que um impressionante vácuo se abrisse nos campos da fé e da ideologia. Essas são as razões mais profundas da emergência dessa Nova Fé que anda por aí, ocupando o imenso espaço deixado pelas decepções e frustrações.

Ao contrário dos dois colossos dogmáticos citados, ela, a Nova Fé, não tem um país-sede, nem um centro fixo de romarias e peregrinações, pois resulta da globalização. Ao invés de advogar pelo povo de Deus ou em favor do proletariado, um dos seus objetivos é integrar o “excluído”. O seus mandamentos não originam-se da Bíblia ou do Manifesto Comunista mas da vulgata dos Direitos Humanos, enquanto o Dia do Juízo Final dela é a crença no derretimento das calotas polares. Momento terrífico em que, segundo os adeptos da Nova Fé, sem haver nenhum Noé redentor, se dará o diluvio derradeiro, punindo a humanidade inteira por sua indiferença, ou omissão, ao não ter posto fim à ganância do ganho industrial e financeiro. 

Em revés ao catolicismo e ao comunismo, ela - um tanto como as seitas indianas que prostram-se frente ao macaco Hanuman e a vaca Sabbala -, inclina-se crescentemente pela zoolatria , venerando as baleias, o atum, os elefantes, o mico-leão e as borboletas, achegando-se aos gorilas com selvática e comovente afeição. Quando não, se bem que só os mais radicais o fazem, acossando pelas ruas das cidades mulheres elegantes que ousam vestir estolas ou casacos de peles. Nostálgicos do primitivismo animista, revivem hoje o ancestral culto silvestre às arvores, com especial devoção pelo mogno amazônico, símbolo totêmico, movendo perseguições internacionais contra quem profana a floresta, tentando extrair-lhe o tronco.

Do pansexualismo à tecnofobia

Enquanto o católico reúne-se na paróquia e o militante comunista na célula do PC, o novo evangelista é, circunstancialmente, integrante ativo de uma ONG qualquer, e, em franca oposição à castidade e ao moralismo dos seguidores de Cristo e os de Marx, é extremamente liberal em matéria de sexo e costumes. Promove e apoia casamentos homossexuais e a adoção de crianças por pederastas, pois a Nova Fé, desinibida, liberada, é franca adepta do pansexualismo. A única intolerância que demonstra neste campo é para com os tarados (designados agora pelo pedantismo do politicamente correto como “ pedófilos”) 

Como não poderia deixar de ser, a linguagem tem sido afetada por ela, correndo pelo mundo aquilo que Pierre Bourdieu designou como a Nova Vulgata Planetária, uma novilíngua contendo expressões como “exclusão”, “minorias”, “identidade”, “parceria”, “alternativo”, “ carente”, “menor infrator”, “opção sexual”, “multiculturalismo”, etc., que formam o vernáculo místico da Nova Fé, necessário à pregação da fantasmagoria do “um Outro Mundo possível”. 

O horror que os seus evangelistas professam contra a tecnologia em geral faz com que apoiem as manifestações ludditas, seja para impedir os avanços na área científica em geral ou para destruir e queimar, em cerimônias inquisitoriais, as demonizadas lavouras de transgênicos. Portanto, todas as condições para a emergência de um novo Milenarismo estão aí postas, só está faltando um messias. A Nova Fé é a religião do nosso tempo! 

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