Educação sexual e higienismo



Até o início do século XX, “sexo” era um segredo. A sexualidade individual era vivida em silêncio e culpa. Por isso, crescia entre os médicos – afinal esta é a época de ouro dos higienistas – os especialistas em sanitarismo – a conscientização sobre a necessidade de educação sexual entre os jovens. 

Os anos Trinta foram o cenário para os primeiros trabalhos sobre o tema. Mais e mais jovens adquiriam seus conhecimentos de forma autônoma, pois sua curiosidade esbarrava no sigilo dos pais. Na cidade grande, longe das galinhas, vacas e bananeiras, a iniciação dos meninos se fazia de outra maneira. Se a Igreja continuava insistindo na “pureza” de crianças e adolescentes – o termo já era empregado, então – para preservá-los dos “vícios”, uma corrente dentro dela procurava combater a dupla moral. Como funcionariam os casamentos de forma saudável se as jovens continuassem educadas “para nada saber” e os rapazes, indo ao bordel? Resposta: explicando tudo direitinho, mas treinando a castidade. Fundamental era que eles não contraíssem moléstias venéreas e elas, aprendessem mais sobre a maternidade.

Na Europa, as escolas laicas e, sobretudo as associações de médicos entraram na campanha. A primeira preocupação era menos de liberalizar a sexualidade, e mais, de lutar contra abortos e doenças venéreas. As diretrizes, porém, eram conservadoras. O bordão era: “a vida sexual normal” como sinônimo de “amor, união, paternidade, maternidade e família”. Propondo explicações sobre o “amor na ordem física e sentimental”, as obras tinham edições diferentes para os diferentes gêneros. As meninas só podiam ter acesso aos livros estando para casar ou depois de ter completado 18 anos. Neles, os desenhos dos órgãos genitais masculinos e a referência à polução noturna ou a masturbação desaparecia ou ficava reduzida a uma linha. No caso dos rapazes, os assuntos eram amplamente explorados. Para elas, acenava-se com os riscos da gravidez pré-nupcial. Para eles, cuidados nas doenças sexualmente transmissíveis. Explicações para as relações sexuais? Sempre vagas: quando chegasse à hora, ou seja, depois de casados os dois parceiros tinham que estar deitados, o marido deveria mostrar-se paciente e a esposa, “verdadeira guardiã do amor”, controlar “seu nojo”. Os órgãos sexuais tinham que atingir “certa simultaneidade” e “a natureza faria o resto”. Havia quem se chocasse com tais propósitos e jogasse o livro fora, sem ler.

A repressão era forte e a ênfase no pudor uma obsessão. E havia quem fosse contra ou a favor. “A nossa educação está errada. Todo o domínio sexual está envolto em um mistério que não é natural, entre véus de excessivo pudor”, dizia um manual intitulado “Leitura Reservada”, em 1913. Já congressos e trabalhos científicos sobre a importância dos anos “púberes” multiplicavam-se, preocupados em impor à família “uma reação doméstica coletiva, no sentido de combater o despudor”. O assunto era tão sério, que deveria passar por uma política de Estado, segundo o jurista José Gabriel de Lemos Brito.

“A puberdade acarreta para os jovens de ambos os sexos perigos não só de ordem física, mas ainda de ordem moral, cumprindo ao Estado preservá-los o mais possível de tais perigos. A revelação dos segredos da procriação deve ser feita de modo elevado, e paulatinamente, aos menores, sendo o silencio até hoje adotado no caso, prejudicial. Este silencio, da parte dos pais e dos mestres, não impede o conhecimento do que se pretende encobrir, sendo que a aprendizagem feita por intermédio de companheiras ou companheiros viciados, leva o cunho da imoralidade e degrada o caráter dos jovens, os quais, ainda na mais tenra idade, se fazem obscenos e se entregam geralmente à pratica de atos condenáveis. O ensino deve orientar-se de modo que aos impúberes se ministrem noções de Historia Natural, fisiologia e higiene, e aos púberes se alarguem gradativamente os conhecimentos de molde a evitar-lhes as surpresas desta perigosa fase da vida”.

Martelava-se uma só mensagem: era preciso envergonhar-se diante das coisas de natureza sexual. Estampar decência nos gestos, olhar, palavras. Lutar contra quem dissesse o contrário:

“O pudor é o perfume da virtude: pudor é um recato físico ou moral, pejo de mostrar ou certas partes do corpo, desagrado em proferir ou ouvir expressões sobre misérias materiais ou morais da vida. É produto do meio, de preconceitos, de convenções, de hábitos adquiridos [...] o pudor é conseqüência da civilização, um atestado moral dos tempos, uma fórmula de consideração e respeito para consigo mesmo e para com os outros, útil, portanto e necessário. É o perfume da virtude, o encanto do amor, a beleza da educação”.

Na época, o que mais preocupava era a difusão do nu. Fotografia, cinema e imprensa encontraram um nicho de mercado na venda de material pornográfico. As imagens, sobretudo, enchiam olhos e cabeças da rapaziada.

“Por tudo isso o nu e as expressões obscenas não devem ser empregadas na educação sexual”. O artístico ou o cientifico, sim. “Esses nada têm de imoral. O primeiro prende à atenção para a harmonia das formas, o seu dispositivo, o capricho da natureza, e habilidade do artista. O segundo desperta as noções de ciência, o desvendar dos segredos da criação” E a explicação: “Tudo vai da feição psicológica do nu. Ver um homem ou uma mulher em maiô no banho de mar não é o mesmo que assim encontrá-los numa sala de visitas: as duas situações despertam idéias muito diversas: na praia o intuito é o banho, na casa a exibição tendenciosa”.

Em 1935, Sebastião Mascarenhas Barroso lançava uma Educação sexual, guia para os pais e professores, o que precisam saber, como devem ensinar. O sumário do livro explicava os “intuitos” necessários e úteis do mesmo: higiene e resguardo dos órgãos sexuais. Para evitar “atos errôneos e inconvenientes à saúde e a moral,” até 12 anos. Para preparar sem surpresas nem desmandos para a puberdade. Dos 12 aos 18 anos, para evitar ao rapaz e rapariga vícios e aberrações da genitalidade. Para precaver-se contra doenças venéreas. Para observar as “regras da eugenia na união dos procriadores” e, finalmente para que os velhos se conformassem com a perda da genitalidade.

Quem e quando se passariam tais noções? Logo que a criança começasse a fazer perguntas aos pais, eles mesmos. “Sempre em tom de conversa, nunca com ares de lição”. Menos ainda dando ares de mistério, mas, sempre mostrando a importância do assunto. Na ausência dos pais, a tarefa cabia aos professores primários. Para tal na escola ou no ginásio, os alunos passavam por uma bateria de testes de higiene. Seus órgãos genitais podiam ser examinados em “gabinete reservado”. “Uma ou outra vez, no recreio, no meio de uma lição, a um pretexto qualquer, será abordada a questão dos sexos de modo rudimentar”, explicava o manual. Alunos mais velhos tinham direito à palestra com médico escolar: prevenção de doenças era o bordão.

Das meninas com mais de 18 anos, se encarregavam as professoras ou as “guardiãs da saúde”. No ensino secundário e no colégio Normal o assunto ficava a cargo de professores de História Natural e Higiene. Nos internatos, merecia a maior atenção vícios e anormalidades sexuais – “masturbação, pederastia, etc”. “Na Universidade, nos Clubs, nos Desportos” a anotação vinha assim: “Cabem aqui conferencias em que o assunto seja tratado com a maior amplitude, com projeções luminosas, fitas cinematográficas e todos os meios de prender a atenção e impressionar a imaginação”. Para os jovens até os anos 40, sexo era sinônimo de higiene. – Mary del Priore.

Fonte: História Hoje 
Por: Márcia
Imagem: “O Banho Turco”, de Jean-Auguste Dominique Ingres.

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