Namoros de Igreja: pecados escondidos

Os séculos ditos “modernos”, do Renascimento não foram tão modernos, assim. 

Um fosso era então cavado: de um lado os sentimentos, e do outro, a sexualidade. Mulheres jovens de elite eram vendidas, como qualquer animal, nos mercados matrimoniais. Excluía-se o amor destas transações. Proibiam-se as relações sexuais antes do casamento. Instituíram-se camisolas de dormir para ambos os sexos. O ascetismo tornava-se o valor supremo. Idolatrava-se a pureza feminina na figura da Virgem Maria. Para as igrejas cristãs, toda relação sexual que não tivesse por finalidade à procriação, se confundia com prostituição. Em toda a Europa, as autoridades religiosas tinham sucesso ao transformar o ato sexual e qualquer atrativo feminino, em tentação diabólica. Na Itália, condenava-se a morte os homens que se aventurassem beijar uma mulher casada. Na Inglaterra, decapitavam-se as adúlteras. E em Portugal, sodomitas eram queimados, em praça pública.

A concepção do sexo como pecado, característica do cristianismo, implicava na proibição de tudo o que desse prazer. Desde as carícias que faziam parte dos preparativos do encontro sexual até singelos galanteios. Na verdade, os casamentos contratados pelas famílias, onde pouco contava a existência ou não de atração entre os noivos, submetidos à constante vigilância, deixavam pouco espaço para as práticas galantes, que tiveram que se adaptar às proibições. Mensagens e gestos amorosos esgueiravam-se pelas frinchas das janelas ou sobrevoavam o abanar dos leques.

Tanto controle, transformava as cerimônias religiosas (uma das únicas ocasiões em que os jovens podiam encontrar-se sem despertar suspeitas e repressões dos pais ou confessores) em palco privilegiado para o namoro. Não foram poucos os amores que começaram num dia de festa do padroeiro ou de procissão, havendo até os que esperavam a Quinta-feira Santa e o momento em que se apagavam as velas, dentro da Igreja, em respeito à Paixão de Cristo, para aproximar-se um do outro. E no escurinho, choviam beliscões e pisadelas e gestos eróticos.

As igrejas paroquiais foram convertidas, neste tempo, em espaço para namoricos, marcação de encontros proibidos e traições conjugais. Não foram poucas as ordens dadas por bispos setecentistas exigindo a separação de homens e mulheres no interior das capelas. O clero temia os encontros e suas consequências. Compreende-se, assim, o porquê de uma carta pastoral como a de dom Alexandre Marques, de 1732, proibindo a entrada nas igrejas de “pessoas casadas que estiverem ausentes de seus consortes”. Nas igrejas, brotavam romances sem limites. Não por acaso um manual português de 1681, escrito por dom Cristóvão de Aguirre, continha as seguintes perguntas: “se a cópula tida entre os casais na Igreja tem especial malícia de sacrilégio? Ainda que se faça ocultamente?”. Lugar de culto, lugar público, a Igreja seria também um lugar de sedução e de prazer. Onde, vez por outra, Deus dava licença ao Diabo…

No Brasil, as missas do século XVIII eram animadas por toda sorte de risos, acenos e olhares furtivos, transformando as igrejas, para desgosto dos bispos, em concorridos templos de perdição. Mal iluminadas, suas arcadas e colunas e os múltiplos altares laterais ofereciam recantos, resguardados da curiosidade alheia, onde se podia até mesmo tentar gestos ousados: do beijo ao intercurso sexual. A costumeira reclusão das donzelas de família e a permanente vigilância a que estavam expostos todos os seus passos, tornavam missas, procissões, ladainhas e novenas ocasiões sedutoras, para as quais contribuíam os moleques de recado e as alcoviteiras, ajudando a tramar encontros. Abrigo de amantes, a Igreja logrou converter-se, em certas circunstâncias, num dos raros espaços privados de conversações amorosas e jogos eróticos, nos quais envolviam-se nada menos do que os próprios confessores. E tais jogos eram perpetrados até mesmo, no refúgio dos confessionários. – Mary del Priore.

Fonte: História Hoje 
Por Márcia
Imagem: “Festa do Divino”, de Debret.

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