Delação premiada


Desde a profecia de um filósofo alemão em 1800 até a transação de Paulo Roberto Costa junto ao MP.

Com dias mais difíceis, o presidente Barack Obama tem pela frente a organização terrorista chamada Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), desplugada da rede Al-Qaeda e guiada por um sanguinário conhecido pelo nome de guerra Abu Bakr al-Baghdadi. Essa organização promove, também, o genocídio religioso contra cristãos e curdos de fé yazide.

Por volta de 1853, o jusfilósofo alemão Rudolf von Ihering cogitou, ao refletir sobre o tema política criminal, da premiação a criminosos (isenção de pena, sanção mínima, manutenção do patrimônio suspeito etc.) em troca de delações de utilidade social. A propósito, Ihering escreveu o seguinte: “Um dia os juristas vão se ocupar do direito premial. Isso ocorrerá quando, pressionados por necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do Direito, isto é, fora da mera faculdade e do arbítrio e terão de delimitá-lo com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, e sobretudo, no interesse superior da coletividade”.

No século XX e por pragmatismo não previsto em lei, a polícia norte-americana e os procuradores fechavam informais acordos com suspeitos e delações substanciosas eram compensadas com esquecimentos de delitos.

Não demorou para esses acordos celebrados under the table serem levados para a chancela de uma autoridade judiciária e, até 1968, a American Bar Association (ABA), equivalente à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), protestou contra as transações. Pós 68 e como lembrou Jorge de Figueiredo Dias, o grande penalista e processualista português, 80% dos processos criminais passaram a ser resolvidos por transações nos EUA. Fora os casos a envolver a Cosa Nostra sículo-americana, tivemos barganhas célebres e a entrar nas trocas as confissões. Por exemplo, a barganha de James Earl Ray, assassino de Martin Luther King, e também a do senador Edward Kennedy, no trágico acidente automobilístico de Chappaquiddick.

Quando o mafioso Tommaso Buscetta foi preso no Brasil, em novembro de 1983, o magistrado Giovanni Falcone intuiu haver chegado o momento de a Itália preparar a sua legislação sobre o direito premial. Entrou em vigor em, aproximadamente 14 meses.

Durante a segunda guerra da Máfia, saiu perdedor o grupo de Buscetta. Os vencedores, todos da famiglia mafiosa da cidade de Corleone, mataram, em represália à fuga de Buscetta para o Brasil, dois dos seus quatro filhos, um irmão e quatro sobrinhos. 
O mafioso transformou-se em colaborador de Justiça e, com instrução do magistrado Falcone, iniciaram-se as apurações geradoras do maxiprocesso. A Corte de Cassação italiana, equivalente ao nosso Supremo Tribunal, entendeu válidas e consistentes as delações de Buscetta. Tratou-se de revelações históricas porque permitiram uma reconstrução da organização, o conhecimento da estrutura da Cosa Nostra siciliana e a identificação dos seus chefes, filiados e participantes em concurso externo.

Buscetta colaborou também com a Justiça norte-americana, que estava interessada no cannoli conection entre as irmanadas Cosa Nostra (sículo-americana e siciliana). Em troca, o chamado “boss dos dois mundos” manteve o seu patrimônio, embora no ar se espalhasse odor de cocaína e heroína. Até a morte, em 2 de abril de 2000, Buscetta viveu nos EUA em liberdade vigiada.

No maxiprocesso decorrente das delações do mafioso, os réus foram 475, dos quais 144 foram absolvidos. Depois da condenação em primeira instância dos chefões, por sentença de primeiro grau de 16 de dezembro de 1987, teve início, por delação premiada, em 17 de fevereiro de 1992, a mundialmente famosa Operação Mãos Limpas, conduzida pelos magistrados de Milão. Apurou com êxito a corrupção na política partidária italiana e a estrutura da 1ª República ruiu.

A Mãos Limpas contou com a fundamental delação de Mario Chiesa, administrador do complexo hospitalar, incluídos orfanato e asilo, do Pio Albergo Trivulzio. Preso em flagrante por extorsão, Chiesa fez um desabafo com relação a políticos e partidos italianos: “Tutti rubiamo così” (todos roubamos assim).

Chiesa, militante do Partido Socialista, exigiu indevida vantagem do empresário Luca Magni, interessado na revisão de um contrato de limpeza. Metade do valor da comissão (tangente) iria para o seu bolso e a outra para o Partido Socialista do premier Bettino Craxi, o qual, condenado, fugiu para a Tunísia para evitar a prisão e nunca mais regressou à Península.

No Brasil, o ex-diretor de distribuição da Petrobras, Paulo Roberto Costa, transacionou com o Ministério Público e se aguarda a homologação judicial que será limitada ao exame da legalidade e não da conveniência e oportunidade do acordo. O doleiro Alberto Youssef deverá trilhar, pela segunda vez, o mesmo caminho. Espera-se seja a delação checada e rechecada. De se observar que os delatores serão testemunhas de acusação nos processos criminais abertos contra os delatados.

Fonte: Carta Capital
por Wálter Maierovitch

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