Fugindo principalmente da guerra, milhares de refugiados pedem asilo a países europeus, que, despreparados e com a opinião pública dividida, repensam a permeabilidade das fronteiras.
Em Leopoldsdorf, pequena aldeia de 5 mil habitantes a cerca de 15 km de Viena, capital da Áustria, moradores se reuniram na semana passada para decidir o que podiam fazer pelos refugiados. A ideia do prefeito, que insistiu na iniciativa, era improvisar uma pequena vila de residências temporárias em containers; o que, depois de um longo bate-boca, acabou sendo acordado.
O argumento definitivo veio de um teimoso fazendeiro, quando perguntado se gostaria de ter estranhos em sua casa: “Tem dias que nem a minha família eu quero. Mas em uma emergência como essa, devemos aumentar o tamanho da nossa mesa e diminuir o do muro”.
É difícil saber quando a Áustria, terra da extrema direita mais bem sucedida da Europa, decidiu aumentar o tamanho da sua mesa. Talvez tenha sido a partir do impacto da de 71 refugiados mortos dentro de um caminhão em uma estrada do país. Talvez a opinião pública tenha sido influenciada pelas imagens de violência ou desespero de milhares de estrangeiros a procura de asilo na Europa. É impossível saber. Viena tem dias em que nem as nuvens se mexem, mas no último 31 de agosto, para surpresa geral, 25 mil pessoas foram às ruas para pressionar o estado a oferecer um melhor tratamento aos refugiados. Por uma dessas (raras) felizes coincidências, os primeiros refugiados que estavam sendo impedidos de sair de Budapeste pelo governo húngaro conseguiram embarcar e chegar a uma das principais estações de trem da cidade, a Westbahnhof, enquanto a multidão ainda se reunia a menos de 200 metros dali.
Ninguém sabia ao certo se o trem trazendo os refugiados chegaria a seu destino, mas cerca de vinte pessoas apareceram lá por conta própria. A imprensa nem tinha chegado ao local e engradados com garrafas d´agua já começavam a ser empilhados, e mesas com frutas eram improvisadas entre uma plataforma e outra. No dia seguinte, mesmo com o bloqueio de novos trens, a estação já contava como uma estrutura montada por algumas organizações, voluntários, médicos e ambulâncias.
A forma convidativa com que os refugiados foram recebidos mexeu, ao menos temporariamente, com a fórmula: quanto mais estrangeiros no país, mais incisivas são as manifestações de xenofobia. Em muito pouco tempo, a mobilização espontânea da sociedade civil silenciou o tradicional discurso de isolamento. Assim que foram proibidos novos trens para Viena, um comboio de mais de cento e cinquenta carros partiu da capital austríaca para apanhar o maior numero possível de refugiados amontoado os na estação de Keleti, em Budapeste. Robert Misik, jornalista local muito popular, também voltou de lá com três pessoas no carro e publicou, em seguida, um relato da aventura, dizendo que cometeu um crime, mas nada seria pior do que voltar com lugares vazios no carro.
É claro que nada disso garante que o país não seja novamente invadido por um uma nova onda de xenofobia. A crise está longe de uma solução, e até o momento a Áustria apenas serviu de passagem para a grande massa que escolheu a Alemanha como destino. Ninguém sabe até quando as portas da Alemanha estarão abertas, nem o que vai acontecer com os que ficarem pelo caminho.
Política coletiva
Para encontrar alguma solução, o debate agora se volta para a União Europeia e a tentativa de se criar uma política coletiva em torno da crise. As primeiras conversas não foram nada promissoras. Alguns dos principais países do bloco se mostraram no mínimo discretos. A França acenou com a possibilidade de receber 24 mil refugiados nos próximos 2 anos, enquanto a Inglaterra, depois de uma enorme pressão da opinião pública, falou em 20 mil sírios nos próximos cinco anos. Muito pouco, se levarmos em consideração que só no último fim de semana cerca de 17 mil chegaram em Munique. Mais complicada ainda é a tarefa de convencer os países da Europa Central. Enquanto a Hungria sofre acusações de violação de direitos humanos, graças ao tratamento dado aos estrangeiros em suas fronteiras e estações, Polônia e Eslováquia insistem em dar preferencia aos refugiados cristãos. Como se religião fosse um critério decisivo sobre quem merece ou precisa de abrigo.
Para forçar seus vizinhos a tomarem parte na ajuda aos refugiados, a Alemanha sinaliza retomar o controle de quem entra no país, o que deve ser acompanhado pela Áustria. A crise pegou o todo poderoso bloco europeu despreparado, e os mais exaltados já falam do fim de Schengen, o acordo de abertura de fronteiras. Foi preciso que uma massa de desesperados obrigasse o continente mais desenvolvido do planeta a confrontar suas convicções morais. Com o inverno se aproximando e nenhuma solução comum no horizonte, o destino de ambos, refugiados e União Europeia, depende, curiosamente, de um final feliz.
Fonte: Revista de História
Por: Bruno Garcia
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