Como ensinar pontuação


REVISÃO COLETIVA Na EM Bernardo Ferreira Guimarães, a turma analisa a pontuação na produção dos colegas. Fotos: João Marcos Rosa/Agência Nitro 



Parênteses, vírgulas, reticências... O uso dos sinais gráficos não é aleatório, mas deve atender ao sentido que se quer dar ao texto.


Considerar que a vírgula tem a função de indicar uma pausa breve, o ponto de dar descanso à leitura e a interrogação de marcar a entonação é se basear na ideia de que eles servem apenas para marcar uma leitura em voz alta - o que, considerando o uso atual da língua, é no mínimo insuficiente. A pontuação é um dos recursos que o escritor utiliza para dividir o texto em unidades de sentido, dando hierarquia às informações e ajudando o leitor a compreender o que ele quer dizer. Pontuar, portanto, não é uma atividade secundária na escrita, mas faz parte dos recursos na produção do texto, assim como as diferentes tipologias, os espaços em branco, o negrito, as notas de rodapé e quadros, que têm essa mesma função. 

Um trecho do livro Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector (1920-1977), exemplifica como isso ocorre. Veja só: "Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Branco. Mas de repente num estremecimento deram corda no dia e tudo começou a funcionar, a máquina trotando, o cigarro do pai fumegando, o silêncio, as folhinhas, os frangos pelados, a claridade, as coisas revivendo cheias de pressa como uma chaleira a ferver". Claramente, os sinais afetaram o sentido e os efeitos do texto, já que as frases curtas colaboraram para visualizar a lentidão da imagem e as vírgulas da última frase mostram uma sucessão de fatos. 

Ao trabalhar o conteúdo em sala de aula, você deve deixar de lado a velha fórmula de apresentar regras que predeterminam as funções dos sinais e esperar que os alunos as decorem. Como as crianças entram em contato com a pontuação já em suas primeiras situações de leitura e escrita, o mais adequado é aproveitar a familiaridade delas com os textos para analisar os diferentes usos dos recursos de pontuação nos mais variados gêneros. O essencial, portanto, é notar o contexto em que estão, a intenção que devem produzir e a maneira como o autor quis passar suas ideias (leia a sequência didática). 

Quem está acostumado a ensinar com base nas regras e muda a prática em sala de aula para a análise de variadas obras sente uma diferença brutal na aprendizagem dos estudantes. Foi o que ocorreu com Milene Aparecida de Lima Moreira, que leciona no 4º ano da EM Bernardo Ferreira Guimarães, em Rio Piracicaba, a 132 quilômetros de Belo Horizonte. Quando começou a fazer cursos de formação continuada sobre produção de texto, ela repensou sua maneira de trabalhar. Nos primeiros meses de aula, já utilizou os novos conhecimentos. 

Com base nos resultados de uma produção individual de texto, Milene identificou os erros dos estudantes e os itens a que precisaria dar mais atenção. "Eles acertavam na grafia das palavras e na construção da composição, mostrando coerência e começo, meio e fim bem delimitados", explica. No entanto, apesar de usarem os sinais de pontuação em exercícios com frases soltas, eles tinham dificuldades no momento de escrever textos completos. "As crianças usavam de vez em quando o ponto final e a vírgula. E só", relata. Milene criou uma série de atividades com o objetivo de analisar o uso de sinais que aparecem com frequência nos diálogos das fábulas, como dois-pontos e travessão. Para ela, a pontuação hoje tem outro propósito: "Se você quer que os alunos produzam bons textos, com fluência e lógica, esqueça as atividades de pontuação de frases isoladas", diz com propriedade.

Analisar o próprio texto e compreender o dos outros

Uma avaliação da pontuação, mais especificamente sobre o uso da letra maiúscula no início das frases na escrita infantil, foi o tema da tese de doutorado de Telma Weisz, especialista em alfabetização e supervisora pedagógica do programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo. Na pesquisa, ela ressalta duas atividades importantes para levar a criançada a refletir. Uma ocorre durante a revisão, quando os aprendizes se debruçam sobre as próprias produções. A outra consiste na apreciação de obras de bons autores. Dessa forma, elas conseguem notar as regularidades existentes no estilo de escrita em questão e os efeitos que elas causam na leitura. Afinal, para conseguir escrever composições de qualidade, é preciso ter um bom repertório. 

Telma cita os textos jornalísticos como um material interessante para ajudar a pensar sobre os usos da vírgula, já que em jornais e revistas é possível identificar variados usos dela. O ideal, contudo, é diversificar: quanto mais amplo o leque de publicações com que as crianças entram em contato, mais rica é a bagagem de conhecimento que elas adquirem. Questioná-las sobre o porquê de uma vírgula ter sido colocada em determinado lugar ou o motivo de o autor ter usado reticências faz com que elas pensem e possam refletir sobre as intenções do autor. Sempre é possível repensar o uso de um sinal e trocar ideias com os colegas sobre ele. "A intervenção pedagógica é voltada para a reflexão sobre o funcionamento da pontuação num texto em particular e não para a formulação de prescrições genéricas", diz Telma. 

Sua lição de casa estará completa quando você conseguir articular diferentes atividades de leitura e produção de texto, analisando o papel da pontuação no discurso escrito. Há várias maneiras de fazer isso: propor leituras, pedir produções de texto, organizar a reescrita de histórias e solicitar que as crianças revisem os próprios textos. Com isso, elas podem notar as regularidades e perceber quando as regras fazem sentido, como a proibição do uso da vírgula entre o sujeito e o predicado. Essa sistematização do conteúdo não significa procurar regras para encaixar os exemplos, mas saber o que se quer comunicar e a capacidade desses recursos de influenciar a qualidade dos textos.

Via - Nova Escola

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