Redes sociais e (in)felicidade: porque há uma relação entre as duas coisas

“Por que você não escreve sobre pessoas mais velhas, que viveram a vida inteira sem celular, mas que agora não conseguem ficar um minuto sem checar o aparelho, enquanto eu deixo meu celular na bolsa por um tempão, sem ficar ansiosa para checar nada?”, perguntou minha sobrinha de 19 anos. Quando ela me fez essa pergunta, disse a ela que já tinha notado isso: quando estou conversando com meus sobrinhos, o celular deles fica quietinho, mesmo acendendo a tela e vibrando a toda hora. Eles não olham a tela enquanto estão falando com você. Já conversar com muitos adultos tem sido uma disputa acirrada entre você e as notificações infindáveis na tela do celular.
Por coincidência, na mesma semana vi um vídeo com o pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da UNIFESP, Pedro Calabrez, falando sobre felicidade. Ele diz que o ser humano possui dois “eus”: o EU EXPERIENCIAL, que é o eu que vive o instante, e o EU PROJETIVO, que é o eu que olha para o passado e para o futuro.
Esses dois eus tornam-se felizes por razões diferentes. O que torna o eu projetivo feliz são, em primeiro lugar, os objetivos, conquistas, além de conseguir olhar para a história da vida e enxergar valor nela. “A sociedade na qual a gente vive hoje é muito boa em garantir felicidade para esse eu”, disse ele. Desde pequenos nós nos impomos objetivos, como entrar na faculdade, casar, ter filhos, ganhar dinheiro, etc.
Já o que torna o eu experiencial feliz é saborear e aproveitar o que está acontecendo ENQUANTO está acontecendo. Olhar para o mundo e enxergar o mundo no momento presente e, é claro, gostar dele.
“Não é à toa que todos os estudos que acompanham as pessoas ao longo da vida, desde os 18 anos até a morte, mostram que felicidade é uma questão de curva em U, ou seja, quando você tem 18 anos essa curva está lá no alto, você é feliz, e ela vai diminuindo, diminuindo, diminuindo e chega no ponto mais baixo dela quando você está entre 40 e 50 anos de idade e então ela volta a subir. Normalmente uma pessoa idosa é muito mais feliz do que uma pessoa de 30-40 anos”.
Assim, ele disse que a famosa crise da meia idade existe, porque tendemos a colocar todas as nossas fichas nesse eu projetivo, achando que vamos ser felizes quando conquistarmos algo. “A curva em U da felicidade se deve ao fato de que quando você conquista a faculdade, o emprego, o dinheiro, quando você chegou na família, lá pelos seus 40-50 anos de idade, você olha para o futuro e não tem muito mais novidade para se conquistar”. Ele completa dizendo que a curva sobe quando as pessoas começam a aproveitar aquilo que têm.
Então, a felicidade estaria relacionada a encontrar um equilíbrio entre o eu projetivo e o eu experiencial. Agora, Calabrez diz que só tem uma coisa que influencia diretamente na felicidade dos dois eus: a qualidade das nossas relações. “Pessoas que têm relações de qualidade tendem a ser mais felizes”.
Curiosamente, parece que eu já tinha notado essa curva em U sem nem pensar muito sobre isso. A descrição do meu perfil é justamente essa: apreciadora da companhia de crianças, adolescentes e velhinhos que retomaram o gosto pela vida. Ora, sem perceber eu já tinha notado que as crianças, os adolescentes e os mais velhos são mais felizes, têm mais brilho nos olhos e são pessoas mais agradáveis para se ter ao lado. A maioria dos adultos são pessoas cansadas, desanimadas, que torcem pela sexta-feira e pelas férias, que não veem a hora de chegar em casa e dormir.
Mas, o que as redes sociais têm a ver com isso, afinal? Tudo! Muitos estudos relacionam também o uso de redes sociais com a ativação do núcleo accumbens, uma região que fica no cérebro e regula o chamado ”sistema de recompensa”. Quando fazemos alguma coisa agradável – comemos algo gostoso e calórico, por exemplo -, esse sistema libera dopamina, um neurotransmissor que nos dá prazer. Dá aquele pico de dopamina, que é tipo uma “felicidade instantânea”, mas que, obviamente, não é sustentável e duradoura, de forma que logo esse pico cai e você precisa consumir mais para ter o mesmo efeito. Bem parecido com o que acontece com o Facebook. Você posta alguma coisa e recebe curtidas. Cada curtida é uma dose de dopamina. Quando acabam as curtidas, você sente necessidade de postar de novo, outra coisa, para manter seu nível alto. E você fica viciado nisso.
E, veja só, as redes sociais têm relação também com a questão das relações de qualidade, que seriam pré-requisito para a felicidade. As relações em redes sociais são bem mais fáceis, simples e superficiais do que as relações da vida real. Então, obviamente, longe de serem relações de qualidade, elas parecem ter um efeito parecido, mas em menor intensidade. Um comentário agradável de um dos 400 semi-desconhecidos que comentam nossos posts gera uma sensação de aprovação social, quase de vínculo, embora, bem mais efêmera e superficial do que as relações de carne e osso. Essa é a desvantagem. A vantagem é que essas relações virtuais são bem mais fáceis de serem levadas, exigem pouco de nós, podem ser desligadas a qualquer momento e ficam somente com a cereja do bolo, ou seja, com aquilo que nós mostramos nas redes sociais.
Então, parece que o uso intensivo de celulares, redes sociais e afins tem relação com o descontentamento do eu experiencial, com a grande dificuldade de saborear o momento presente que a maioria das pessoas tem, com a necessidade de ativar o sistema de recompensa toda hora, devido ao baixo nível de satisfação e felicidade da vida. Além das redes sociais, outras várias atividades realizadas massivamente pelos adultos cumprem esse papel: consumo de bens materiais, consumo de álcool, consumo de comidas viciantes, como fast foods, etc.
Parece um pouco como uma horda de zumbis em busca de cérebros para se manter assim, mortos-vivos. Consomem-se produtos, comidas, bebidas, consomem-se doses de relações sociais empacotadas em curtidas e comentários, e, como todo vício, a dose acaba sempre tendo que aumentar para dar o mesmo efeito.
A solução para isso, Calabrez fala no final do vídeo: aproveitar seu instante e não fica esperando acontecer o futuro. Tenha objetivos futuros, mantenha-se desafiado, porque isso é importante, mas saboreie os momentos enquanto eles acontecem. E eu completaria: invista nas relações de carne e osso, nas relações que geram a produção do outro hormônio, a oxitocina, conhecida como hormônio do amor. O hormônio produzido com o abraço, com o beijo, com o olho no olho, que alcança picos durante o orgasmo e que gera o apego entre as pessoas. Esse sim, um fator essencial para uma felicidade mais perene, mais duradoura, menos dependente dos picos de dopamina.

Por: Juliana Santin




Fonte: genialmentelouco

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