Pela primeira vez no Brasil, uma travesti negra recebe título de doutora

Pela primeira vez no Brasil, uma travesti negra recebe o título de doutora, depois de defender, nesta quinta-feira (30), a tese que produziu na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Megg Rayara Gomes de Oliveira estudou nos últimos quatro anos a resistência de professores negros homossexuais para superar situações de opressão.
O título da tese é provocativo: “O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação”. O estudo analisa a experiência de quatro professores de escolas estaduais. Três deles do interior Paraná e um, do Rio de Janeiro.
No vestido vermelho que preparou para usar na defesa da tese de doutorado, a professora Megg Rayara Gomes de Oliveira bordou os nomes de dez travestis que foram assassinadas nos últimos meses. Foto: Samira Chami Neves / Sucom / UFPR

Entre as conclusões da pesquisa, está a de que os termos usados para depreciar os professores negros homossexuais são os mesmos no interior e numa capital como o Rio de Janeiro.
A pesquisadora aponta que ao assumir publicamente a identidade de gênero e se apropriar de maneira positiva de termos pejorativos, os sujeitos pesquisados são empoderados.


Formada em Desenho pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Megg Oliveira tem duas especializações, em História da Arte e História e Cultura Africana;  é mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná e agora defendeu o doutorado também em Educação.
Ela diz que sempre apostou na formação acadêmica como caminho para sobreviver e assumir a identidade que por muitos anos ocultou.
Eu tinha certeza que quanto mais conhecimento eu tivesse, mais chance se inserção no mercado de trabalho eu teria e mais eu poderia expressar a minha identidade de gênero. Eu tinha muito medo de não ter lugar para morar, muito medo de não conseguir me sustentar realmente”.
Não queria voltar para o Interior do Paraná de maneira nenhuma. Isso era uma questão muito particular, muito minha. Eu pensava assim: se eu voltasse seria um reconhecimento de um fracasso”, conta.
Megg conclui a tese de doutorado afirmando que onde há poder, há resistências e existências. Um poder que no caso dela foi reforçado no ano passado com a conquista da mudança oficial do nome de registro de nascimento.
Ato político
A pesquisadora diz considerar natural fazer dos trabalhos acadêmicos que desenvolve um ato político.
Primeiro porque o nosso corpo, o corpo de uma travesti, o corpo de uma pessoa negra, de uma bicha preta, não é só uma constituição biológica. É um discurso. Onde a gente passa vai disparar uma série de discursos também a nosso respeito".
É fundamental que eu enquanto pesquisadora leve para o debate questões que falem do meu universo, das minhas questões, do grupo de onde eu vim, onde sou inserido, para poder motivar outras pessoas como eu a cessar o espaço acadêmico”.
É fundamental que eu tenha uma postura política. Acadêmica, mas também política, sim. Com essa intenção de sensibilizar outras pessoas para que essas pessoas percebam em mim também. Se uma consegue, por mais difícil que seja, outras também podem conseguir”, conclama.
Megg se emociona quando fala que a conquista dela abre portas para outras pessoas da comunidade LGBT.
Sei que vai marcar minha vida. Vai marcar a vida de outras meninas também. É uma porta que estou abrindo e que outras vão passar por essa mesma porta, de uma forma mais segura, mais confiantes. A porta que eu tive que abrir, ela estava entreaberta, era uma frestinha. Fui ampliando esse espaço. Hoje consigo passar em pé, com muita segurança. A Universidade percebeu que eu tenho uma capacidade de pesquisadora muito boa também”, disse emocionada.
Aprovada
A qualidade da produção acadêmica de Megg é atestada pela orientadora do doutorado, Maria Rita de Assis Cesar, que também é pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Paraná.
A professora diz que a trajetória da aluna tem sido exemplar.
A Megg, ela é uma excelente aluna do doutorado. A trajetória dela nesses quatro anos foi brilhante. Vai muito além do que se espera de uma doutoranda ou doutorando regular. Ela termina esse processo com uma belíssima tese de doutorado, discutindo a questão da homossexualidade negra. É muito interessante porque o processo dela de transição aconteceu durante o doutorado também. Não só produz uma tese, mas também produz uma mulher, que é a Megg”, avalia a orientadora.
Maria Rita também se emociona com as conquistas dos estudantes que trabalham as questões de gênero e raciais na linha de pesquisa aberta na UFPR há quase 20 anos.
É uma sementinha que a gente começou a plantar há mais de 20 anos com a criação do Núcleos de Estudos de Gênero, sempre com muita dificuldade, com pouca abertura dentro do setor de educação mesmo. Quando a gente vê os frutos de um trabalho de tantos anos é sempre muito emocionante. Essas pessoas produzindo belas teses, se tornando grandes intelectuais, professores da Universidade. É uma emoção imensa”, declara.
Megg Oliveira é professora de desenho e pintura em tela em cursos da Fundação Cultural de Curitiba.
Neste ano, antes mesmo da defesa do doutorado, ingressou na UFPR como professora substituta de Didática em cursos de licenciatura.
Megg é a segunda travesti no Brasil a defender uma tese de doutorado. A primeira, que não é negra, foi Luma Andrade, doutora pela Universidade Federal do Ceará, em 2012.
Como as duas, há notícias de apenas mais duas travestis frequentando programas de doutorado no Brasil. Uma na Universidade Federal de São Carlos e outra na Unicamp.


Edição: Narley Resende
Foto: Samira Chami Neves / Sucom / UFPR
Fonte: Paraná Portal

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