Conceição Evaristo - vivências e memórias poéticas

"Do tempo/espaço aprendi desde criança a colher palavras. A nossa casa vazia de móveis, de coisas e de muitas vezes de alimento e de agasalhos, era habitada por palavras. Mamãe contava, minha tia contava, meu tio velhinho contava, os vizinhos amigos contavam. Eu, menina, repetia, intentava. Cresci possuída pela oralidade, pela palavra. As bonecas de pano e de capim que minha mãe criava para as filhas que nasciam com nome história. Tudo era narrado, tudo era motivo de prosa-poesia."


- Conceição Evaristo, em "Gênero e etnia: uma escrevivência de dupla face". In: Mulheres no mundo, etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005, p. 201.



2016 - 70 ANOS DA ESCRITORA CONCEIÇÃO EVARISTO



Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte, em 29 de novembro de 1946. De origem humilde, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Graduada em Letras pela UFRJ, trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011), na qual estuda as obras poéticas dos afro-brasileiros Nei Lopes e Edimilson de Almeida Pereira em confronto com a do angolano Agostinho Neto.

Participante ativa dos movimentos de valorização da cultura negra em nosso país, estreou na literatura em 1990, quando passou a publicar seus contos e poemas na série Cadernos Negros. Escritora versátil, cultiva a poesia, a ficção e o ensaio. 

Desde então, seus textos vêm angariando cada vez mais leitores. A escritora participa de publicações na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Seus contos vêm sendo estudados em universidades brasileiras e do exterior. Em 2003, publicou o romance Ponciá Vicêncio, pela Editora Mazza, de Belo Horizonte.

Com uma narrativa não-linear marcada por seguidos cortes temporais, em que passado e presente se imbricam, Ponciá Vicêncio teve boa acolhida de crítica e de público. O livro foi incluído nas listas de diversos vestibulares de universidades brasileiras e vem sendo objeto de artigos e dissertações acadêmicas. Em 2006, Conceição Evaristo traz à luz seu segundo romance, Becos da memória, em que trata, com o mesmo realismo poético presente no livro anterior, do drama de uma comunidade favelada em processo de remoção. E, mais uma vez, o protagonismo da ação cabe à figura feminina símbolo de resistência à pobreza e à discriminação. 

Em 2007, sai nos Estados Unidos a tradução de Ponciá Vicêncio para o inglês, pela Host Publications. Vários lançamentos são realizados, seguidos de palestras da escritora em diversas universidades norte-americanas. Já sua poesia, até então restrita a antologias e à série Cadernos Negros, ganha maior visibilidade a partir da publicação, em 2008, do volume Poemas de recordação e outros movimentos, em que mantém sua linha de denúncia da condição social dos afro-descendentes, porém inscrita num tom de sensibilidade e ternura próprios de seu lirismo, que revela um minucioso trabalho com a linguagem poética.

Em 2011, Conceição Evaristo lançou o volume de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, em que, mais uma vez, trabalha o universo das relações de gênero num contexto social marcado pelo racismo e pelo sexismo. 

:: Fonte: Literafro/ufmg



"A vida não podia gastar-se em miséria. ― Viver do viver‖. A vida não podia gastar-se em miséria e na miséria. Pensou, buscou lá dentro de si o que poderia fazer. Seu coração arfava mais e mais, comprimindo lá dentro do peito. O pensamento veio tão rápido e claro como um raio. Um dia ela iria tudo escrever."


- Conceição Evaristo, em "Becos da Memória. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006, p.147.



Do fogo que em mim arde

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
não aquele que te apraz.
Ele queima sim,
é chama voraz
que derrete o bivo de teu pincel
incendiando até ás cinzas
O desejo-desenho que fazes de mim.

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
aquele que me faz,
e que molda a dura pena
de minha escrita.
é este o fogo,
o meu, o que me arde
e cunha a minha face
na letra desenho
do auto-retrato meu.

- Conceição Evaristo, em "Poemas da recordação e outros movimentos". Belo Horizonte: Nandyala, 2008.



"Gosto de escrever, na maioria das vezes dói, mas depois do texto escrito é possível apaziguar um pouco a dor, eu digo um pouco ... Escrever pode ser uma espécie de vingança, às vezes fico pensando sobre isso. Não sei se vingança, talvez desafio, um modo de ferir o silêncio imposto, ou ainda, executar um gesto de teimosia esperança. Gosto de dizer ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo." 


- Conceição Evaristo, em "Gênero e Etnia: uma escre (vivência) de dupla face". In: BARROS, Nadilza Martins de; SCHNEIDER, Liane (Orgs.). Mulheres no mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Idéia, 2005, p. 202.

"Eu quero viver a grandeza da minha velhice e estou conseguindo sem mentiras, sem falsos remédios. Não quero me iludir com a cruel promessa da devolução de um tempo que já passou." 

- Conceição Evaristo, em "Insubmissas lágrimas de mulheres". Belo Horizonte: Nandyala, 2011, p. 37.


Fonte: elfikurten.com

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