Necrológio dos desiludidos do amor – Carlos Drummond de Andrade

Necrológio dos desiludidos do amor

Os desiludidos do amor estão desfechando tiros no peito. Do meu quarto ouço a fuzilaria. As amadas torcem-se de gozo. Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados, escreveram cartas explicativas, tomaram todas as providências para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia.

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.

( Carlos Drummond de Andrade )
(Poema digitado e novamente conferido por mim mesmo, publicado em Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, ps. 136 e 137)



Fonte: poesiaspoemaseversos

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