As últimas lágrimas derramadas dos olhos de Belchior

Na noite que Rolando Boldrin contou ca(u)sos e recitou um poema de Chico Anysio; por sua vez, o "Senhor do humor", contou uma hilária estória de seu personagem: "Pantaleão". E ao ouvi-lo declamar a letra da música: "Galos, noites e quintais"; Belchior sorriu lágrimas que escaparam-lhe dos olhos; e a plateia entre êxtase, deleite e gargalhadas, assoviou e aplaudiu em uníssono, os Três Senhores, além de Brasileiros, latino-americanos.




É paradoxal e redundante, mas ideias qualquer entendedor de arte tem, todavia ser artista o suficiente para executar, modificar e transformar as ideias em arte, convenhamos que não é para qualquer artista. É nesse quesito que Boldrin aposta; e por inovar o roteiro e cenário dos programas apresentados por ele, constantemente, diferencia-se dos filhotes da mídia e dos globais assistenciados pela lei Rouanet.



Sob o canto de galos, sibilos de serpentes e estridulação dos grilos, três gênios encontraram-se no quintal da Televisão Cultura para celebrar a conquista de terem superado grandes vendavais noturnos. Quem são eles? Os cearenses Belchior e Chico Anysio; e o terceiro, representando o programa de um "Senhor Brasil", Rolando Boldrin. Por favor leitor, de onde estiver lendo este, uma salva de palmas para esses três gênios! Por que se os anjos, fariseus, mendigos, redundantes, hermeneutas e escribas não agradecerem ao Rolando pela esplêndida ideia de reuni-los em seu programa, fatalmente, a arte seletiva lhe agradecerá; afinal, o apresentador do "Senhor Brasil" é o único que sobrou da arte alternativa.

Em sonhos e contos bem humorados, dessintonizaram do Cosmos / Alinharam contrapontos, lágrimas, ideias, gargalhadas e agruras sobre o Planeta ilusão / Presentes na mesma frequência / Sintonizados na mesma arte, estavam.

Nuvens dançavam uma valsa sombria no indecifrável horizonte. Sorrateira, a única estrela solitária retirou o véu branco tecido de algodão que cobria-lhe o fulgor. Avariada pelo meio-lábio que cintilava os efêmeros substantivos da vida, a lua vagava livremente dourando os recônditos do céu tenebroso. Salpicada pela nostalgia do que é excelente e deveria durar, se não para sempre, indefinidamente, a noite esvaía-se soprada pelos ventos. Todavia, antes que a magia da escuridão caísse em sono profundo e a claridade voltasse dominar as mentes dos terrenos, Rolando Boldrin promoveu o encontro de dois lendários conterrâneos da arte brasileira: o humorista Chico Anysio e o músico Belchior em seu programa. E o que parecia funesto e incompreensível para a quentura dos raios de sol, tornou-se inebriada e refrigerada noite de gala. Ventos minuanos sopravam as notas de uma reunião que a muito tempo foi protelada.

Indubitavelmente, seguir cabisbaixo a manada de animais chancelados pela igualdade, fazendo exatamente o que ela faz e impõe, é pertencer a uma pandemia virótica/bacteriana incurável. Que os instrumentos, os conservatórios e os maestros sejam os antídotos e livrem a arte musicada brasileira desse mal. A música é como a claridade dos raios de sol e não tem tempo definido, simplesmente surgirá nas frestas das portas e janelas, quando abertas para a felicidade.

Rolando Boldrin! Esse senhor de brilho próprio e magistral representante da cultura do país, infalivelmente, é o que restou de uma geração de artistas e apresentadores que primavam pela arte brasileira, feita exclusivamente para brasileiros. Aliás, embora não demonstre ou revele em palavras seu ponto de vista sobre os porquês, foi um dos únicos apresentadores que não deu a mínima importância em continuar fazendo parte do quadro da Rede Globo de Televisão, quando a emissora mudou radicalmente sua programação; e consequentemente, alterando o roteiro do "Som Brasil", programa de palco apresentado por ele no início da década dos anos 80.

Há quem diga que o trabalho é uma das artes da realização. Enquanto apenas suscitam, Boldrin trabalha exaustivamente divulgando a arte. E artista nenhum que senta em seu banco, lado a lado com ele, nega que o apresentador é um honesto cidadão brasileiro realizado. Sua autenticidade, salpicada pela simplicidade diz tudo. Artista completo e contador de ca(u)sos dos "bão" e faz "chaveirinho" de muitos "peitos de pombo descamisado ao vento" que desfilam a grandeza nos palcos do trejeito e manias. Artisticamente, Boldrin é puro e genuinamente autêntico. Sem as pulverulências e adulterações da mídia.

Não é toda noite que uma corte se reune para enaltecer as profícuas sentenças julgadas pelo juizado. Ainda mais sabendo que o tempo coordena as ações dos homens, transformando-as em dinheiro; alquimia preciosa que qualquer químico deseja e quer. Contudo, naquela noite, o colegiado quebrou com o protocolo e presenteou a plateia com uma reunião inesperada.

Rotineiramente, nos preparativos para apresentar o programa, Boldrin pega o roteiro escrito pela Diretora Responsável, dá uma lida por alto e coloca-o debaixo de algum objeto. Dono de uma mente brilhantemente rara, o apresentador dirige-se à plateia, que não entende o porquê do apresentador fazer aquilo e diz: "Auditório, boa noite! Guardei o roteiro do programa. Qualquer problema, se eu esquecer o que devo dizer sobre os artistas, por favor, peço encarecidamente que algum ou todos vocês, auxilie-me. Está no ar mais um Senhor Brasil."

Porém, naquela noite entre um gole de água e outro, entre uma apresentação e outra, Boldrin pediu licença para a plateia e sumiu por uns segundos. Voltou ao posto renovado. O que teria acontecido nos bastidores em tão ínfimo tempo. Com um sorriso dissimulado nos lábios, sua satisfação foi logo sendo dissipada ao declamar o poema do mestre do humor, Chico Anysio.

Para completar a efusão, o humorista entra em cena e diz à plateia como driblou os problemas de saúde e o quê fora fazer no programa "Senhor Brasil. E os quase 20 min de interatividade com Rolando e auditório não foram suficientes para Chico conciliar humor, cantoria e enaltecimento a outro personagem ilustre da arte brasileira. Porém, ao final da apresentação/homenagem, disse cabalmente para os surdos, cegos e mudos que também se considerava um "Senhor Latino americano." Não obstante, Chico disse em outras palavras, que os três senhores, além de brasileiros e latino americanos, representavam o humor, a cultura, a música e a arte do gigantismo de um país denominado "Senhor Brasil".


Chega um dia que os terrenos endividam-se com o inegociável, com o desalentador, com o ceifador de mentes, ou véu preto da morte; como queira. Naturalmente, por vezes, a vida desses nunca mais dormirá o sono que ela achava merecido, justo e reparador, meses antes. E com muitas gargalhadas de canto a canto na boca, a plateia despediu-se das genialidades dos dois cearenses; que não suportando a dor da emoção, das palmas e assovios, marearam os olhos com inundantes lágrimas. Para a morte, não há outro idioma, senão o dela; bem como, não existe os sintomas da sorte.

Por fim, como as sementes foram projetadas e lançadas no solo para germinar, murchar e desfalecer decrépitas; a noite não só foi de gala, como também apocalíptica. E no dia 23 de março de 2012, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, que também assinava como Chico Anysio, deixava o Brasil triste e órfão de humor refinado.

Infelizmente, no dia 30 de abril de 2017, a ingrata morte que levara o humorista, tomara para si o cantor, compositor e arranjador Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes .

E não apenas a plateia, mas os amantes do bom humor e da boa música sabiam que eram felizes e com certeza, não eram insensíveis. Por isso, que hoje sorriem menos e choram muito mais pela falta que a arte deles faz ao país. À cada dia o brasileiro é menos brasileiro e mais coisa qualquer. Um Zé ninguém americano, talvez insano; perambulando sem lenço, sem documento e o sopro do vento, depravando.

P.S.: Orfandade: Povo parido à revelia e por assim conhecer a luz do dia, não tem identidade, raízes, legados, origens e família; porém, se mantém rijo, firme sendo sempre povo e nunca nação. Por outro lado, evolui a tal ponto, que confraterniza com prazer, sorrisos e gosto um copo de coca cola mastigado com um hot dog na madrugada, mas não se emociona ao ouvir as histórias de Jesus Cristo e poesias de sertanejos e coisas da terra. Provavelmente, esse povo só exista nos documentos de nacionalidade - Passaporte e RG. Não se deve generalizar pois em tudo, há exceções...; tudo bem: vou perguntar para o meu espelho qual a porcentagem dos que se enquadram no evento da exceção! Como não bastasse o desinteresse por sua cultura, o brasileiro está sempre mergulhando nas justificativas injustificáveis, pois uma vez asno nascido inculto, ainda que renasça mil vezes, asno inculto até morrer.

A asnice do brasileiro chega ser a inspiração para o enredo de um filme poema realista/regional/capiau/tecnológico. Não? Veja os filmes do velho matuto Mazaropi. Como dica, o filme "O Corintiano" satiriza o amor exacerbado, ironiza a emoção desmedida do torcedor de futebol pelo clube citado. Pelo futebol e em prol da manutenção dos clubes, associam-se em torcidas organizadas; tornam-se sócios dos clubes; compram cotas e camisas; viajam léguas e mais léguas de distância acompanhado os times e como não bastasse, se bobear, afanam os cofres e leiloam a mãe para obter meios econômicos e com o dinheiro arrecadado, investir na emoção que não dura mais que 90 min; ou no extermínio do fanático torcedor para sempre.

Primando pelo requinte da seleta cultura brasileira, certamente, a lenda viva nominada Boldrin não associa-se às banalidades contidas nas "ideias "artísticas" ilusórias de massa.

Fonte: Obvious

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