Manaus (AM) – Desde 2012, mulheres de várias organizações da capital amazonense reúnem-se para comemorar e discutir as pautas dos direitos femininos durante o Encontro Amazônico das Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas. Em 2019, aconteceu a 8ª edição do evento, que ocorre sempre no dia 25 de julho, data reconhecida em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha. A data é em referência a um encontro de mulheres negras latinas e caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana.
Debate discutiu temas relacionados ao direito feminino, desigualdade, violência e políticas públicas (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Em 2014, a data recebeu uma comemoração nacional, com a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, através da Lei nº 12.987 assinada pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
Tereza de Benguela foi uma líder quilombola que, no século 18, entre 1750 e 1770, liderou o Quilombo do Quariterê, assumindo o lugar de seu companheiro, José Piolho, que foi assassinado por soldados do Estado. O lugar abrigava mais de 100 pessoas. Tereza também guiou a comunidade negra e indígena e resistiu à escravidão por duas décadas.
Mãe Nonata Correa (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Em Manaus, a população, que em meados do século 19 era formada majoritariamente por indígenas, além da uma pequena parte reconhecida como “branca”, continha também milhares de negros. Eram homens e mulheres nascidos no país, e também de origem africana.
O historiador Ygor Olinto Rocha Cavalcante, autor do livro “Fugido, ainda que sem motivo: escravidão, liberdade e fugas escravas no Amazonas Imperial”, expõe e ajuda a revelar o passado da capital amazonense em suas pesquisas.
“Não se pode considerar a construção da cidade apenas como resultado dos conflitos entre a cidade idealizada pelas elites locais e as tradições indígenas. É preciso acrescentar ao quadro um outro elemento: a cidade que foi instituída também por homens e mulheres negros de origem africana”, diz o historiador.
Em Manaus, o Dia da Mulher Negra é uma data pouco lembrada em eventos. A Marcha das Mulheres Negras, uma mobilização realizada desde 2014 no Brasil, em várias capitais do país sempre no dia 25 de julho, não acontece na cidade.
O 8º. Encontro Amazônico das Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas que ocorre anualmente é responsável para trazer o tema em discussão na capital amazonense. Este ano, o encontro reuniu várias mulheres nos dias 24 e 25 de julho no auditório da Assembleia Legislativa de Manaus (Aleam), para conversar e debater sobre o tema “Articulações de resistência frente ao avanço de ideias neoliberais, fundamentalistas, racistas e misóginas na América Latina e Caribe”.
Arlete Anchieta (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Arlete Anchieta, do Fórum Permanente de Afrodescendente do Amazonas, conta que a ideia do encontro surgiu para juntar os movimentos negros, indígenas e as mulheres do Caribe, Venezuela e de Cuba. “Sempre procuramos aproximar o máximo o tema abordado com a situação que está sendo vivida para que esse momento seja de reflexão e que nos dê ânimo para as próximas lutas”, disse.
O 8º. Encontro é uma realização do Fórum de Mulheres Afro-ameríndias e Caribenhas, do Coletivo Ponta de Lança, Movimento de Mulheres Negras da Floresta Dandaras, Associação Nossa Senhora da Conceição, Articulação Amazônica de Povos Tradicionais de Matriz Africana, Federação do Povo Indígena Kukami-Kukamiria do Brasil, Peru e Colômbia, Fórum Permanente dos Afrodescendentes do Amazonas, Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) em conjunto com a Gerência de Promoção à Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC), com o Consulado da Venezuela e a Universidade do Federal do Amazonas (UFAM).
Nos dois dias de programação gratuita e aberta ao público, foram realizadas mesas de debate e rodas de conversa que abordaram assuntos como “Lutas antirracistas, anti-patriarcais e anticapitalistas: trajetórias de resistência e desafios atuais; O mercado e as redes sociais: disputas de narrativas, apropriação simbólica e Afirmação Identitária e Mulheres Afro-ameríndias e Caribenhas no poder: mudanças legais, políticas e institucionais”.
8º. Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas na Assembleia Legislativa (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Nonata Corrêa, mais conhecida como Mãe Nonata, é ativista do movimento contra a intolerância religiosa e do Movimento de Mulheres Negras e coordenadora da Articulação Amazônica de Povos Tradicionais de Matriz Africana (ARATRAMA).
Em entrevista à agência Amazônia Real ela destacou que o tema anual é escolhido dentro da análise de conjuntura vigente e tem como base a situação da mulher negra e indígena no estado do Amazonas e no Brasil.
A consulesa venezuelana Patrícia Silvia esteve presente no encontro, representando as mulheres caribenhas. Ela relembrou todas as conquistas obtidas pelas mulheres no seu país, entre elas, a participação de 50% nas grandes missões revolucionárias do governo, os maiores desafios enfrentados como a Legalização do Aborto e a adoção de crianças por homossexuais.
“Acho que os desafios são manter os espaços ocupados e tentar chegar a outros espaços, manter a consciência da importância de que uma revolução tem que ser feminista e a dívida com o nosso público sobre a discussão da legalização do aborto”, disse Patrícia.
Arlete Anchieta, que participou da mesa de debate “Lutas antirracistas, anti-patriarcais e anticapitalistas: trajetórias de resistência e desafios atuais”, destacou a participação de mulheres jovens na organização do encontro. “Com dificuldades, como a falta de apoio para que o evento ocorresse, lutaram para ele acontecer”, afirmou ela.
8o. Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Entre as jovens, estava Márcia Rodrigues, integrante do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e do coletivo Ponta de Lança, formado por mulheres negras e voltado ao audiovisual.
“É a primeira vez que estou participando desse encontro. Ele se deu com a questão do feminismo, união das mulheres. A gente busca nesse momento o fortalecimento das mulheres, pois agora estamos vivendo um momento de trevas. Então agora visamos a nossa união e o crescimento, com a mulher no poder, na política e tomando os espaços”, explicou.
Francy Junior no 8o. Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas. (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
A ausência de mulheres negras e indígenas nos locais ainda é frequente, até mesmo em eventos que tem como objetivo falar sobre essas mulheres. Como o 8º. Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas, que com um público majoritariamente formado por mulheres, menos de 10% eram negras ou indígenas.
A feminista Francy Junior, do Movimento de Mulheres Negras da Floresta Dandaras e do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM), participou da mesa redonda: “Mudanças legais, políticas e institucionais”. Ela falou sobre como as mulheres têm pouca representatividade na política e como essa ausência está baseada na falta de oportunidade que as mulheres sofrem desde cedo.
“Primeiro, é preciso fazer com que tenha essa possibilidade de as mulheres negras alcançarem esse patamar da estrutura de estudo. São poucas a que chegam na graduação. O Estado deveria olhar com mais carinho para as mulheres negras e indígenas na comunidade escolar. O racismo e o machismo afastam as mulheres da escola”, disse à Amazônia Real.
Educadora, historiadora e atriz de teatro, Francy Júnior destacou que as mulheres negras precisam trabalhar muito mais cedo que as mulheres brancas. “Elas precisam fazer três vezes mais para poder conquistar algo. Quando chegam ao ensino fundamental muitas não concluem, assim como no ensino médio e na universidade é bem mais difícil. O Estado precisa verificar mais onde estão essas mulheres, assim como os movimentos, para fortalecê-las com políticas públicas”, disse a liderança feminista.
Na política institucional, as mulheres negras e indígenas ainda são pouco representadas no Congresso Nacional. A atual deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), por exemplo, foi primeira senadora negra a ocupar o cargo, entre 1995 e 1998. Feminista, ela iniciou a carreira política como vereadora, foi governadora e ministra no governo petista. É de sua autoria o projeto que criou Dia Nacional da Consciência Negra, sempre no dia 20 de novembro, e de projetos que propõem a inclusão de negros nas produções das emissoras de televisão, filmes e peças publicitárias.
A primeira deputada federal indígena no Brasil é Joênia Wapichana (Rede-RR), eleita em 2018. Antes de Joênia apenas um homem indígena tinha chegado ao cargo, o cacique xavante Mário Juruna (1942-2002). Ele foi eleito com 31 mil votos pelo Rio de Janeiro, permanecendo como deputado federal até 1986. Na eleição presidencial de 2018, Sônia Guajajara (PSOL) foi protagonista sendo a primeira indígena a concorrer como candidata a vice-presidente da República.
Apesar do protagonismo de Benedita, Joênia e Sônia, foram eleitos no Amazonas apenas homens para o Senado e para a Câmara Federal, em 2018. Já entre os estaduais, quatro mulheres conseguiram uma vaga na Assembleia Legislativa. Entretanto, nenhuma mulher negra ou indígena está entre as eleitas.
“Esses dados mostram o que presenciamos diariamente”, diz Francy Junior. Ela questiona: “o que a sociedade pode fazer para transformar essa realidade? Visitar comunidades, fazer um diagnóstico de onde nós estamos e quem somos. Não basta só olhar o IBGE; ele não traz o retrato fiel das mulheres. Na beira do igarapé, muitas pesquisadoras não chegam por lá. E elas estão lá”, destaca.
Para Francy Junior, que é historiadora, as mulheres que estão em melhores condições e conseguiram chegar ao poder institucional, “precisam ir para as periferias conhecer as mulheres de lá”.
“Se não fizermos isso, ninguém mais vai fazer por nós. E elas [mulheres da periferia] vão continuar lá, sendo violentadas, não tendo oportunidades. Nós percebemos quem tem mais vulnerabilidade que nós, e precisamos abordar essas mulheres nos ônibus, na rua. Nós, negras, percebemos quando as outras estão sofrendo; basta a gente usar a sensibilidade do coração, da alma, que a gente consegue ajudar umas às outras. Não podemos pisar, mas ajudar umas às outras”, disse a feminista.
8º. Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas na Assembleia Legislativa. (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)
Por Alicia Lobato, colaboração para a Amazônia Real.
Alicia Lobato é estudante de jornalismo da faculdade Fametro e participa do 4º. Treinamento em Jornalismo Independente e Investigativo da agência Amazônia Real.
Fonte: Amazônia Real
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