Em 15 de Março de 44 a.C - O Imperador Júlio César é apunhalado até a morte

Júlio César

Os gênios, diz a lenda, nascem prontos. Quase todo mundo já escutou histórias intermináveis sobre Mozart encantando soberanos da Europa com meros 5 anos de idade, ou sobre Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo (literalmente) de imperador e general, as coisas ocorreram bem mais devagar. Ele teve de esperar a maturidade para conseguir mostrar a que veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do “Divino Júlio”, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais de dois milênios.

Mania de grandeza à parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (a data exata é um tanto controversa), não teve muita chance de alardear ou de lucrar nada com sua origem divina durante a juventude. A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de república, com o poder distribuído (desigualmente, é verdade) entre os legisladores do Senado, o “poder executivo” representado pelos cônsules e a pressão constante do povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.

Homens e mulheres: César casou quatro vezes e teve muitas amantes

A vida sexual dos poderosos é vasculhada desde que o mundo é mundo, e a de César foi das mais movimentadas. Em geral, a fama que se atribui ao conquistador da Gália também é a de um conquistador das mulheres. Seus soldados o chamavam de “o calvo adúltero” (antes de completar 50 anos, César perdera todo o cabelo). Ele se casou quatro vezes, com Cosútia (divorciou-se), Cornélia (ela morreu), Pompéia (divorciou-se) e Calpúrnia, que sobreviveu a César. Com Pompéia, viveu uma situação particular. Um jovem apaixonado por ela, Clódio, invadiu a casa de César enquanto era celebrada uma festa em honra de Bona Dea, uma deusa cujos rituais não podiam ser vistos por homens. Clódio disfarçou-se de mulher, mas foi flagrado, o que gerou um escândalo em Roma. César divorciou-se de Pompéia, mas não puniu Clódio. Diante do juiz, que quis saber, então, por que estava se separando, ele teria dito: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

O mais tórrido e controverso affair do general parece ter sido mesmo o que teve com Cleópatra, que deixou de lado seu marido Ptolomeu para se entregar a César. Dizem que a rainha não era exatamente bonita, mas que seu charme, sua inteligência e cultura cativaram César de tal modo que ele a mandou trazer para Roma, alojando-a em sua própria casa. Da união dos dois teria nascido um filho, que ganhou o nome grego de Cesárion (a dinastia ptolomaica de Cleópatra era de origem macedônio-helênica). Pesam sobre César, ainda, rumores quanto a seus relacionamentos com outros homens. Em um debate no Senado, em que César parecia empenhado em defender os interesses do amigo Nicomedes (soberano que conhecera na Bitínia), alguém insinuou que “todos sabem o que tu deste a ele”. Os boatos eram tamanhos que as legiões de César, nas celebrações de suas vitórias em Roma, costumavam chamá-lo de “rainha da Bitínia”. Não que isso contribuísse para diminuí-lo aos olhos do povo, embora os romanos fossem menos tolerantes em relação ao homossexualismo que os gregos. “O importante é que o homem tivesse uma postura masculina, independentemente de ter relações com homens ou com mulheres”, diz Pedro Paulo Funari.

Grande guerreiro: César foi um opositor que não poupou violência contra seus inimigos bárbaros ou romanos

Gália: César teve de enfrentar a complexa política de alianças que unia as tribos gaulesas a Roma e opunha outras à superpotência. Os gauleses tinham uma cavalaria soberba e eram guerreiros corajosos, mas pouco disciplinados, de acordo com os relatos do general. O pior dos combates, e o mais glorioso para César, ocorreu em Alésia. Ali, de acordo com Plutarco, César teve de fazer cerco a 170 mil gauleses numa fortaleza, enquanto 300 mil o cercaram do lado de fora. O general resolveu o impasse construindo uma dupla de muralhas, uma protegendo-o contra os de dentro da fortaleza, outra contra os de fora, e saiu vitorioso.

Bretanha: A imensa ilha, habitada por várias tribos celtas, algumas das quais aparentadas dos gauleses, jamais havia visto a chegada de um exército das grandes potências do Mediterrâneo antes do desembarque de César. Embora tenha perdido grande quantidade de homens por causa de naufrágios e tempestades, o general puniu os bretões pela ajuda prestada aos gauleses e venceu chefes tribais das atuais regiões inglesas de Kent e Essex, recebendo deles reconhecimento formal de submissão. O verdadeiro domínio romano ali,no entanto, só seria estabelecido mais tarde.

Farsália: A batalha decisiva contra Pompeu e as forças dos Optimates ocorreu nessa região da Tessália famosa por suas planícies e adequada para o combate a cavalo. Foi exatamente com essa arma que Pompeu, em maior número e com uma cavalaria muito bem armada, estava contando. César decidiu atacar antes do inimigo e, de acordo com Plutarco, ganhou a dianteira ao instruir seus soldados a ferir com lanças o rosto dos cavaleiros, jovens aristocratas que não queriam ficar desfigurados e, por isso, debandaram. A derrota de Pompeu, que fugiu para o Egito, foi completa: 6 mil mortos e 24 mil capturados.

Egito: O orgulhoso comportamento de César depois de sua chegada a Alexandria no encalço de Pompeu logo fez com que a guarda real e o populacho da cidade pedissem a cabeça do general ao jovem rei Ptolomeu. Cercado em seu palácio com uma pequena força de 4 mil homens, César teve de esperar a chegada de nova legião para tentar escapar. Os combates, centrados no mar e no porto de Alexandria, foram encarniçados, e em determinado momento César foi forçado a nadar para salvar a própria pele. Reforços vindos da Síria, no entanto, permitiram que o general derrotasse Ptolomeu, morto numa batalha, e entregasse o poder a Cleópatra, que se tornara sua amante.

Antes de César - Roma durante a República: meio caminho andado


Império Máximo - A Roma de César: do Egito de Cleópatra à Bretanha do rei Arthur

Bom de boca

César e as frases que entraram para história

Quase tudo aquilo que se conhece sobre os detalhes mais pessoais e sobre os discursos feitos por César vem dos seus próprios escritos, nos quais relata a guerra contra os gauleses e as batalhas contra os exércitos de Pompeu. Outra fonte, talvez a principal, são os biógrafos clássicos, em especial Suetônio, na sua A Vida dos Doze Césares, e Plutarco, em Vidas Paralelas, um trabalho monumental que relata a trajetória comparada de Alexandre, o Grande, e de Júlio César. Desnecessário dizer que esses textos são tanto história como literatura, e que embelezavam e expandiam significativamente os supostos feitos e discursos do personagem famoso ao longo de sua carreira. Plutarco pinta-o como um predestinado pelos deuses, enquanto Suetônio apresenta uma visão mais crítica. É significativo, no entanto, notar que ambos os trabalhos retratam César como um escritor, frasista e orador extremamente talentoso. O seu “Veni, vidi, vici”, ou “Vim, vi e venci”, tornou-se sinônimo de competência e controle rápido de situações. Diante dos corpos dos Optimates em Farsália, conta-se que ele teria dito “Hoc voluerunt”, “Assim o quiseram” – como quem diz que os aristocratas poderiam ter evitado o banho de sangue se fossem menos intransigentes.


A herança de Júlio César - "O kaiser nasceu em julho durante uma cesariana"


Não entendeu nada? Talvez ajude saber que a palavra que designa o soberano alemão, o nome do mês “sete” e a operação que substitui o parto normal têm o mesmo patrono. Ele próprio, o “JC” de Roma. Apesar de ter governado seu povo por pouquíssimo tempo, o impacto de César sobre a história e a cultura ocidentais foi imenso e talvez inédito. A começar pelo calendário Juliano, organizado sob sua supervisão, que estabeleceu as bases para a contagem do tempo que ainda usamos hoje e só foi alterado significativamente no século 16 da era cristã. O mês de julho empresta seu nome de César, divinizado por Augusto depois de sua morte. O governante ficou famoso por embelezar Roma e ser um patrono mão-aberta das artes na capital do mundo antigo, plantando as bases para as realizações nessa área que seu sucessor iria realizar poucos anos mais tarde. A coroa real nunca chegou a adornar sua cabeça, mas seu nome virou sinônimo (literalmente) de imperador em alemão (kaiser) ou russo (czar ou tzar). Por último, várias anedotas costumam associar a prática da cesariana ao fato de que César só teria nascido graças a uma operação pioneira realizada em sua mãe.

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