Ética e Política

Schilling

As decisões políticas devem ser tomadas em foro intimo, por meio de um grupo reduzido de privilegiados, ou, ao revés, estar em aberta sintonia dos agentes políticos para com a opinião pública? Esta é a reflexão feita pelo professor de filosofia da UNICAMP Roberto Romano exposta a seguir:

Política, a flauta de Pan
   
Política já foi definida como a "arte do engano", ofício específico do demagogo, dos que enganam ou seduzem os votantes com sua retórica especial. Atuam como se soprassem a flauta de Pan, atraindo os incautos para o seu redil, emitindo apenas os sons maviosos que os ouvidos deles gostam de ouvir. Por tanto a mentira passou a ser questão da análise da ciência política em todos os tempos, sempre sendo um problema atual.
 
Para Roberto Romano, professor de filosofia e ética, por exemplo, não se pode separar eleição da mentira, das estratégias de falsidade usadas pelos que desejam ser escolhidos nas campanhas eleitorais.
 
Como que para melhor ilustrar sua opinião, invoca a um dos diálogos de Platão, o famoso 'Górgias' (escrito em 392-1 a. C.), o qual reproduz a contundente crítica que Sócrates fez exatamente ao uso escandaloso da mentira para fins políticos. Prática a qual os demagogos recorriam com absoluta falta de cerimônia. O pior, para o filósofo ateniense, era que a adulação irresponsável estragava o povo ainda mais, aviltando-lhe o censo de ética.

A Perplexidade de Sócrates
 
Neste mesmo diálogo ele narra a perplexidade de Sócrates, o mais sábios dos gregos, em seu debate com Górgias, Pólo e Calicles, seus três contendores, para com o comportamento político do povo. Se bem que qualquer cidadão procure sempre o melhor profissional ou um bom especialista quando deseja que lhe prestem um serviço (arrumar uma porta, concertar o telhado da casa, fazer-lhe um móvel, construí-lhe um navio), ou ainda recorre ao mais competente dos médicos para cuidar da sua saúde, quando se trata de fazer as escolhas eleitorais (aeresis em grego), ele não age com o mesmo discernimento nem com a mesma responsabilidade.
 
Deixa-se, em geral, levar pelo canto da sereia dos candidatos demagogos e acaba dando o seu voto aos tipos menos qualificados que se oferecem na praça.
Exatamente no momento em que tem que indicar para o leme do estado aquele que fosse o mais sábio, o de maior conhecimento e habilidade para o cargo, o artesão do estado por ele escolhido era o contrário disso tudo. Quem vencia o pleito na democracia era o mentiroso, o do discurso mais enganoso. Esse foi um dos motivos para que Platão designasse o regime da maioria como uma "teatrocracia".
 
E tudo isso em função do que? Qual seria o motivo desta irracionalidade das coisas da política? Para ele, a resposta a essa escolha geralmente equivocada feita no sistema democrático estava no fato de que do mesmo modo que qualquer um tem apreço por sua liberdade, devota o mesmo encanto por si mesmo.
 
Isso é que faz com que lhe agrade ser bajulado deixando-se seduzir pela lábia dos espertos.
Por conseguinte, é essa paixão infantil dos indivíduos pelo seu próprio ego (hoje diríamos
narcisismo) que os conduzem ao auto-engano, refugando por isso os verdadeiros estadistas que apresentam "remédios amargos" para curarem as mazelas da sociedade.

Infantilismo do povo 
 
Numa democracia, o povo é igual a uma criança sempre pronta a se deixar levar por um oportunista ou por um aventureiro que lhe oferece confeito envolto com palavras de mel. Mas então Platão bane da política qualquer tipo de mentira? Não. Numa situação pelo menos ele a aceita: no caso da ¿mentira nobre¿. Isso se o governante for por acaso o rei-filósofo, o sábio regente idealizado por ele no diálogo 'A República', que conduz as coisas do estado com eficácia e sensatez.
 
As decisões mais importantes, por força das circunstâncias, devem ser tomadas na intimidade do poder, circunscritas a um grupo fechado. São acertadas por uma pequena cabala em conciliábulos ou em gabinetes secretos e que não devem chegar aos ouvidos do povo. E isso ocorre em benefício do próprio povo, pois somente o magistrado magnífico, assumindo-se como "autoridade oculta, misteriosa", é quem realmente sabe o que é e o que não é do interesse público.


About Leituras Livres

This is a short description in the author block about the author. You edit it by entering text in the "Biographical Info" field in the user admin panel.

0 comments:

Postar um comentário

Se tem algo que posso lhe dizer após ter chegado até o fim deste post é que estou muito grato por sua visita.

Por que a capoeira é a "arte-mãe" da cultura brasileira e da identidade nacional

Por Henrique Mann Músico, historiógrafo e mestre em Artes Marciais A capoeira ajudou a moldar o samba e até o futebol do país, defende pesqu...