Confira a importância do espartilho para a sociedade





Em busca da cintura de vespa, as mulheres se mantiveram sob rígidos espartilhos por quase 500 anos. As silhuetas estranguladas eram sua sina, da primeira menstruação à morte
Érica Georgino
"Fernando sentiu na face um sopro gelado. Olhou: Aurélia estava desmaiada em seus braços. (...) No meio do alvoroço causado pelo incidente, enquanto acudiam os médicos, vinham os sais, e corriam as amigas, umas inquietas, e outras curiosas, choviam os comentos.

- Que imprudência!

- Aquele desespero!... Eu logo vi!

- E ela que não tem o costume de valsar.

- Quis fazer-se de forte!

- Não é, senhora; aquilo foi o vestido. Não vê como acocha a cintura.

(...) Com efeito, antes que a inundassem de éter ou álcali, e que lhe desatassem a cintura, Aurélia abriu os olhos e arredou com um gesto as pessoas que se apinhavam junto ao sofá.

- Não é nada: uma tonteira, já passou.

O médico que tomava-lhe o pulso confirmou, limitando-se a recomendar além do repouso, o desafogo do vestido para respirar melhor."

Já vão distantes os tempos em que o simples farfalhar da seda dos vestidos despertavam o fetiche masculino. Em Senhora (1875), José de Alencar constrói uma das personagens mais sedutoras da literatura brasileira: Aurélia é delicada e emana seu encanto dos "opulentos cabelos", da "cintura mimosa" e do "formoso busto". 


Como não poderia deixar de ser na burguesia do século 19 - que forjava as silhuetas mais atraentes à custa de amarras apertadas. Do Renascimento ao início do século 20, os espartilhos (e suas variantes menos rígidas e sufocantes, como os corseletes) funcionaram não apenas como uma peça de vestuário, base de sustentação para seios, ventres e colunas eretas, mas também como um código social.

"Durante quase 500 anos, os espartilhos fizeram parte da vida das mulheres: garantiam-lhe segurança para enfrentar a sociedade", diz Patricia Sant’Anna, historiadora da arte e antropóloga, pesquisadora do Grupo de Estudos em Arte, Design e Moda, da Unicamp. 


"A cada período da História, esperou-se um formato diferente do corpo feminino e a tendência sempre foi de que as mulheres atendessem às expectativas."  


Entreatos

A preocupação com os contornos femininos intensifica-se durante a Idade Média. Imersos nos preceitos da Igreja cristã, os europeus recobrem-se de pudores e, aos poucos, o corpo das mulheres assemelha-se às colunas góticas da época. Acentua-se a diferenciação entre os gêneros: enquanto a largura das costas é associada à masculinidade, as mulheres comprimem-se sob troncos estreitos. 

Seios pequenos e firmes combinam-se a ventres arredondados ou volumosos, sinal de fecundidade. Foi para conquistar silhuetas alongadas que as mulheres lançaram mão do que seriam os "avós" dos espartilhos: túnicas com cordões, corpetes e coletes amarrados, sempre bem ajustados pelos alfaiates.

Aos poucos, a peça tornou-se obrigatória nos guarda-roupas das mulheres mais ricas, desde a primeira menstruação até a morte. Embora com alguma dose de polêmica. Em 7 de setembro de 1675, o Parlamento francês - movido por ataques moralistas de aristocratas preocupados com os alfaiates que tomavam as medidas das moças da sociedade - autorizou as costureiras a fabricar os espartilhos. 

Sorte das donzelas, que encontrariam nas corsetières interlocutoras mais sensíveis e, sob seus cuidados, veriam surgir opções mais leves e menos incômodas. Nessa época, as peças também incorporam definitivamente a sedução. Especialmente no reinado de Luís XIV, na França, ganham requinte com cores e detalhes diversos, como laços.
 

As cortes europeias esmeraram-se em aperfeiçoá-las. Os modelos feitos com barbatanas de baleias, por exemplo, aparecem em substituição às hastes metálicas e aos tecidos rígidos. Sustentavam o tronco feminino com maior flexibilidade e um mínimo de conforto. Cetáceos caçados também no Brasil abasteceram o mercado de barbatanas na Europa, mas os espartilhos só foram incorporados pela mulher brasileira após a chegada da família real portuguesa, em 1808.
Foi quando a colônia passou a cultivar os grandes eventos sociais. Bailes, casamentos, cortejos e óperas trouxeram lampejos cosmopolitas ao Rio de Janeiro, enquanto a liberação das importações permitiu maior acesso a artigos de beleza e às revistas estrangeiras de moda. Sem perder tempo, a nova sede do Império engomou-se à moda europeia. A sensualidade era representada pelo corpo em forma de ampulheta. 

"É uma fase em que a definição de beleza da mulher passa por uma série que recursos que giram em torno da silhueta. Os cabelos volumosos, unidos aos espartilhos, são símbolo da feminilidade. A ênfase no colo de pomba e as ancas proeminentes são meios pelos quais as mulheres se diferenciam dos homens", afirma a historiadora Mary Del Priore.
 

As peças, que estrangulavam cinturas (40 cm era a largura ideal) e costelas, representavam a "vitória da razão sobre a natureza", diz Priore no livro Corpo a Corpo com a Mulher. "O espartilho - junto com a luva, as plumas do chapéu e o salto alto no sapato - remetia aos signos nobres da improdutividade".


Desapertos

A peça reafirmava à elite seu caráter aristocrático, mas cresciam as críticas de médicos e cronistas da época. Em 1859, um jornal parisiense registrou que "uma jovem mulher, da qual todas as rivais admiravam a cintura fina, morreu dois dias após o baile". Seu fígado teria sido perfurado por três costelas devido ao uso de espartilhos.

Movimentos pela libertação das cinturas se disseminaram com a modernização da sociedade. Por volta de 1850, grupos de mulheres americanas organizaram-se para reivindicar o voto e "direitos", como poder usar calças e abandonar os espartilhos.

Os cordões e elásticos afrouxaram definitivamente durante a Primeira Guerra, quando milhões de homens partiram para campos de batalha e as mulheres assumiram seus empregos. O conforto fez-se necessário para aquelas que enfrentavam longas jornadas diárias de trabalho braçal, inclusive em fábricas de armamentos, ou mesmo às mais abastadas, que se alistaram em organizações como a Cruz Vermelha.

As que não se engajaram tiveram suas criadas recrutadas pelo esforço de guerra - assim, faltava-lhes quem as ajudasse na missão de vestir as peças. E o espartilho caiu em desuso.

Após a emancipação feminina, porém, nas versões mais flexíveis, claro, a peça recuperou espaço e virou um item de luxo. Réplicas de modelos históricos são vendidas a 300 dólares pela internet. Ah, o preço da sedução...

Beleza à força

O esforço feminino para se adequar a padrões

À semelhança dos espartilhos, ao longo da História diversas sociedades sacrificaram suas mulheres em nome de padrões de beleza (para não falar do corta e estica das cirurgias plásticas atuais). Na China, por volta do século 10, o "pé de lótus" tornou-se comum entre as moças de famílias nobres. Quando completavam 3 anos, as meninas tinham os pés atados em bandagens que quebravam os ossos e impedia-os de crescer, formando membros de 10 cm.

O hábito persistiu até o século 20 em algumas regiões chinesas. Já entre os padaungs, tribo de Mianmar, mulheres usam argolas de bronze enroladas no pescoço. Os anéis são inseridos na infância e aumentam de quantidade ao longo da vida; seu peso empurra o ombro e as costelas para baixo, dando a impressão de que o pescoço é esticado. Além da beleza, as padaungs creditam uma proteção espiritual à tradição.


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9 comments:

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