Das drogas à loucura; Foucault inspira o "politamente correto"



Voltaire Schilling

De certo modo, tudo o que nos cerca hoje é subproduto da Revolução Cultural dos anos 1970, década de onde emergiu o "politicamente correto" e praticamente todas as políticas públicas que marcam a gestão social no Ocidente.
Um dos seus principais mentores ideológicos foi o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) que fundiu numa extravagante doutrina inspirada no anarquismo com as concepções de Nietzsche.




Instituições: espaços de opressão



Para Foucault, as instituições que nos governam ou que nos assistem, sejam as dedicadas à saúde pública (hospitais, manicômios ou asilos), ao sistema prisional (casas de correção, reformatórios, presídios e cadeias), na recuperação de viciados (clinicas especializadas, ambulatórios de desintoxicação, etc.), ou voltadas para a educação (orfanatórios, seminários, escolas, universidades, centros técnicos, etc.) nada mais são do que "espaços de opressão" controlados por equipes dirigentes.

Para ele, o objetivo maior dessas instituições não é a defesa da sociedade, mas criar mecanismos que permitam exercícios do poder, o poder de humilhar, reduzir e oprimir o próximo que por uma desdita qualquer é obrigado a ficar confinado ou constrangido numa das suas edificações (o asilo, a prisão, clínica ou ginásio).

Deste modo, no entender dele, o quartel não existe para a defesa da pátria, mas para o oficialato exercer o mando sobre a tropa; o colégio não funciona para o ensino, mas para que o corpo docente sujeite os estudantes, e assim por diante. Da mesma maneira, o existir do hospício serve para que os clínicos psiquiátricos se excedam sobre os lunáticos e nos hospitais convencionais os médicos e enfermeiros se unam para dominar os corpos dos pacientes a pretexto de submetê-los a tratamentos. Não há boas intenções na sociedade que nos cerca. Nada mais é senão que uma questão de poder.

Com suas próprias palavras ele sintetizou o fenômeno: "os tribunais, as prisões, os hospitais psiquiátricos, a medicina do trabalho, as universidades, os órgãos de imprensa e de informação: através de todas estas instituições e sob diferentes máscaras se exprime uma opressão que no fundo é política", escreveu. Também concluiu que "os encarregados de distribuir justiça, saúde, saber, informação começam a sentir no que fazem a opressão de um poder político".(cit. Por Didier Eribon ¿ Michel Foucault, pág. 212)

Este sistema, ampla rede de corporações profissionais que cobre larga parte das sociedades atuais, emergiu na Idade da Razão (entre os séculos 17 e 18), quando a política iluminista gradativamente foi implementada no Ocidente.

O caso da loucura é um exemplo. Durante a Idade Média, os alienados conviviam com o restante da população, sendo inclusive, por vezes, considerados seres portadores de dons especiais quando não sagrados. Isto era assim porque eles eram participantes do poder da miséria, sendo amparados pela caridade medieval.


A razão contra a loucura

Todavia, essa situação se alterou com o desaparecimento da lepra que até então era o alvo da política medieval da exclusão. Sem muita demora fruto da emergência de uma nova sensibilidade, a sociedade criou outra forma de confinamento, escolhendo para tanto o lunático. A miséria deixou de ser percebida como algo pertinente à sociedade, e sim como castigo por deficiências e destemperos morais, consequentemente encerrou-se a indulgência para com a insânia.

Ora, a loucura ofendia a razão, era sua antítese. Precisava-se, pois, abandonar a condescendência e enclausurar os tresloucados em prédios especiais, surgindo assim o moderno manicômio ou hospital de alienados. Na transição dos séculos 17 e 18, época da consolidação do Estado Absolutista, todas as regras controladoras surgiram quase que ao mesmo tempo, sendo elas incrivelmente semelhantes, anunciando a emergência da sociedade disciplinar com a exigência primeira de por fim à ociosidade e ao parasitismo.

Na concepção de Michel Foucault não há necessariamente uma "classe dominante" ao estilo marxista. O que existe é um denominador comum que ele denomina como episteme, que perpassa por todas as instituições como uma espécie de "gênio maligno" que as orienta e modela. O poder não está concentrado nas mãos dos produtores e dos proprietários, mas acha-se difuso nas mãos das corporações profissionais que as controlam.

A escola, o orfanatório, a universidade, o sanatório, o hospital, a prisão e a caserna passaram a funcionar dentro da mesma dinâmica com praticamente os mesmos regimentos internos contendo objetivos de contenção e domesticação dos seres humanos, ainda que por vias diferentes. A vara, a palmatória, a camisa-de-força, o choque elétrico, a medicação, o castigo corporal, e os rigores da instrução militar, formam uma constelação de instrumentos opressivos que estão à disposição das corporações dominantes e servem como afirmação do poder delas na tarefa de sujeição dos indivíduos.

O sistema prisional, por sua vez, reproduz a ideia da fiscalização permanente. O panóptico, excêntrico projeto de Jeremias Bentham, não era senão que o grande olho do poder atento 24 horas por dia na sua função de vigilância. O individuo tinha sua intimidade sistematicamente devassada, totalmente exposta ao carcereiro (invento que foi o precursor do que hoje encontramos nas ruas, lojas e nas praças vigiadas por atentas câmeras de controle 24 horas por dia).

Do alto da torre, o guarda controlava qualquer movimento ou gesto do prisioneiro. Para Foucault, este procedimento de patrulhamento sistemático engendrou o Estado Totalitário moderno, narrado ficcionalmente no livro de George Orwell 1984, no qual Winston Smith, um cidadão comum, é controlado o tempo inteiro pela imagem do "Big Brother" na televisão.

A prisão, junto com o manicômio, formou os espaços mais extremistas e cruéis da opressão humana, servindo como modelo para as estruturas superautoritárias que surgiram ao longo do século 20. A partir desta constatação, Foucault enumerou então as instituições que considerava como "intoleráveis": "os tribunais; os policiais; os hospitais e asilos; a escola, o serviço militar, a imprensa, a televisão e o Estado" (ver Didier Eribbon ¿ Michel Foucault, pág.208).

SAIBA MAIS:

 A tolerância com a droga
Droga como contestação
A reforma das instituições



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