Educada em um
internato do RJ, a historiadora conta como o ambiente escolar contribuiu para
sua formação moral.
A professora da
Universidade Salgado de Oliveira acredita que a sua vida escolar a inspirou
para se realizar como pessoa.
O imponente prédio
amarelo erguia-se depois de uma curva suave na Rua das Laranjeiras, Rio de
Janeiro. Atrás do imenso portão de ferro se multiplicavam corredores e salas de
aula. Um pátio que me parecia sem fim, acabava na mata do morro de Santa
Teresa. Ali brincávamos de roda - "a linda rosa juvenil, juvenil... - ,
corríamos, jogávamos "queimada". As alunas de todas as idades só
circulavam em fila. A não ser no horário de recreio, não se ouvia um som, a não
ser o da sineta que marcava o das outras interrupções: almoço, lanche, missa,
fim das aulas. As freiras de Notre Dame de Sion, com seus véus a rodear-lhes o
rosto eram sorriso e serenidade. Os professores eram leigos. Os dias longos e
repetitivos. Mas eu, sempre amei minha escola. Orgulhava-me dela.
Boa aluna? Não exatamente.
Mas não é preciso ser um "Caxias" para gostar do ambiente onde se
aprende. E lá não se aprendia somente a ler e escrever. Aprendia-se a pensar, a
imaginar, a sonhar, a projetar. Classes pequenas, feitas de amigas desde muito
pequenas - entrava-se para o semi-internato com sete anos - favoreciam o
contato e o calor humano. A religião impregnava tudo. Tínhamos dia de
confissão, de comunhão, de penitência. Ninguém reclamava: era assim e era bom.
Era bom, pois queríamos ser boas. E ter um ideal quando se é criança é muito
importante. Inspirávamos nas mais velhas: moças que iriam ser
"coroadas" no final do curso. Vestidas de branco e debaixo de cantos,
elas confirmavam uma década de formação escolar e moral. Sim, pois além de
educadas, éramos formadas.
Atualmente, a
palavra caiu em desuso. O relativismo acabou com ela. Moral? Cada qual com a
sua. Na minha escola, porém, muito do que ainda se considera moralmente
acertado nos foi passado. A amizade, por exemplo. Não só um sentimento, mas um
laço social, inscrito no cotidiano, observável por meio de todas as modalidades
de trocas: uma palavra, correspondência, presentes e presença nas horas
difíceis. Amizade que, como a música, se exprime tanto na harmonia quanto nas
dissonâncias. O respeito: respeito do outro, de si mesmo, da dignidade de cada
um, das diferenças, das verdades, das leis. Respeito que é sentimento
indispensável na vida comum. E responsabilidade. Responsabilidade não só como
virtude, mas como fundamento de uma ética que tem obrigações em relação ao
futuro. Ética como um sinal mobilizador de que, cada um de nós, tem que se
colocar questões e assumir respostas. Ou melhor, assumir
responsabilidades.
Minha escola foi
mais do que o preenchimento de uma agenda pedagógica.Mais do que um currículo
ou uma lista de nomes, alguns já esquecidos. Foi o espaço de uma transformação
que, ao longo da vida, me permitiu passar da reflexão à ação. Tenho por ela um
sentimento de profunda gratidão. Sinto que a trago dentro de mim.
Especialista em
História do Brasil, Mary Del Priore escreveu, organizou e colaborou em várias
publicações, ganhando, com isso, títulos como o Prêmio Jabuti, o Prêmio Casa
Grande & Senzala, e o Prêmio APCA.
Fonte: educar para
Crescer
0 comments:
Postar um comentário
Se tem algo que posso lhe dizer após ter chegado até o fim deste post é que estou muito grato por sua visita.