O luxo no lixo: o resgate da nossa história






Dezenas de fotos, documentos e vários recortes de jornal sobre a história da vida de Pagu foram encontrados em uma lata de lixo em São Paulo. Um achado ao mesmo tempo, surpreendente, emocionante e revoltante.


Surpreendente e emocionante - Pelo que representou Pagu para a história nacional. Patrícia Galvão, seu verdadeiro nome, iniciou a sua atuação social no Movimento Antropofágico, coordenado por Oswald de Andrade, que incentivava a libertação brasileira da influência estrangeira que dominava o país desde o seu descobrimento. Jornalista, poeta, feminista, comunista e idealista, o seu discurso era voltado principalmente às mulheres e tinha como objetivo transformá-las em cidadãs, com direitos e deveres, críticas e participantes das decisões na sociedade.

"Pagu foi uma revolucionária urbana e culta. Foi a imagem da nova mulher brasileira: sensível, politizada, independente e atuante"




Diferente das moças de sua época, Pagu usava blusas transparentes, fumava na rua e dizia palavrões. Com 15 anos, passa a colaborar no Brás Jornal, assinando Patsy

  

Revoltante - Porque, apesar da importância histórica e cultural de Pagu, parte da sua vida acabou em um saco plástico azul na esquina de um bairro paulistano. E ali continuaria se não fosse por Selma Morgana Sarti, 44 anos, catadora de lixo que encaminhou o material à Universidade com a ajuda de amigos.

Talvez por ironia do destino, Pagu, uma grande opositora do capitalismo, acabou junto com um de seus piores produtos: o lixo.



Antes produzido em pequena quantidade e constituído, principalmente por sobras de alimentos, o lixo se transformou em um dos grandes problemas da humanidade a partir do crescimento da população e do desenvolvimento do capitalismo, que incentiva o consumo descontrolado de produtos.

Hoje, o lixo é um dos elementos poluidores de maior preocupação mundial. No Brasil são aproximadamente 100 milhões de toneladas de lixo por ano, sendo 40 milhões de lixo domiciliar. Apenas 11% vai para aterros sanitários adequados.


A situação seria ainda pior se não fosse pelos catadores de lixo que, como Selma, são os principais responsáveis pelo reaproveitamento e reciclagem de uma parte do material descartado.


Há dez anos Selma caminha pela madrugada em busca de material reciclável com um carrinho de supermercado. Sabe tudo sobre os processos da reciclagem e sobre a importância da redução do consumo, reutilização e reciclagem de materiais para o meio ambiente. E ainda arruma tempo para desenvolver um trabalho de conscientização ambiental em escolas públicas da Grande São Paulo. Selma é a mulher que Pagu tanto sonhou para as brasileiras: independente, crítica e participante da sociedade.

Segundo Selma, é engraçado viver num país que cobra taxas pelo lixo produzido, faz campanha nacional contra a fome e, ao mesmo tempo, produz um lixo que é um verdadeiro luxo: móveis, roupas, utensílios, eletrodomésticos, comida de boa qualidade, um pouco de tudo, nas mais variadas condições de uso.

O ideal seria que todos nós evitássemos o acúmulo de resíduos, diminuindo o consumo excessivo e o desperdício de materiais. Quem sabe assim, da mesma forma que Selma resgatou a história de Pagu, conseguiremos resgatar a história e a saúde do nosso planeta, hoje soterrada por toneladas e toneladas de lixo.






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