Hermes da Fonseca x Rui Barbosa, a imprensa e a população



Capa da 'Revista da Semana' do período / Imagem: Reprodução da Fundação Biblioteca Nacional


A Primeira República vinha, no início do século XX, num ritmo calmo, sem sobressaltos, previsível até. Foi quando o presidente Afonso Pena resolveu tomar uma liberdade inédita então – e hoje, no início do século XIX, banalizada: influenciar na escolha do seu sucessor. O procedimento comum no período era outro: as eleições, em vez de “promover a alternância de poder” e “revelar a vontade popular”, serviam apenas para “solucionar os eventuais conflitos políticos dentro dos estados e controlar a multidão para a manutenção da ordem vigente”.

Os nomes indicados por Pena, para complicar o processo, tiveram problemas de percurso. O primeiro, João Pinheiro, morreu em 1908. O segundo, Davi Campista, sofreu críticas de políticos mais experientes. O terceiro, que se manteve, tinha um problema grave: era militar, numa época em que os sinais da Primeira Guerra Mundial já se manifestavam. Para piorar, Pena morreu antes de completar o mandato, mas seu sucessor, o vice-presidente Nilo Peçanha, manteve a aposta. Foi dentro desse contexto que surgiu o nome de um político e, à época, presidente da ABL, como a possibilidade de uma candidatura “civil”. E estava afetada a monotonia da Primeira República.

A campanha presidencial de 1910, entre o Marechal Hermes da Fonseca e o “águia de Haia” Rui Barbosa, a participação da população num pleito que, pela primeira vez movimentou paixões, e a influência da imprensa em todo esse processo são os temas do novo livro da professora de História Vera Lúcia Bogéa Borges, "A Batalha eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na Primeira República".

“Uma das questões desafiadoras aqui discutidas está no contraste entre a difundida passividade eleitoral e popular das disputas presidenciais anteriores e a grande agitação participativa durante o embate Hermes-Rui que continuou a repercutir anos depois”, contou a professora, que já tinha escrito um artigo para a RHBN, sobre essa disputa eleitoral.

As expressões de “velha” e “antiquada”, tão frequentes adicionadas para se referir a esse período pré-Getúlio Vargas, são desconsideradas por Vera. Ela argumenta que houve um alargamento das discussões das “noções de cidadania e republicanismo” e, mesmo que o candidato da situação tenha sido o escolhido, os resultados puderam ser vistos em pouco tempo.

“A cisão que levou à concorrência entre os dois candidatos explicitou as contradições do sistema republicano oligárquico e favoreceu a ampliação do ambiente propício à participação da população no debate político”, afirmou, citando a conquista do voto feminino e do voto secreto como consequências desse debate político. “Além disso, as grandes cidades do país passaram por transformações arquitetônicas com reformas – apesar de muitas vezes executadas de forma arbitrária – que modificaram de forma significativa a vida urbana no país.”

Autora do livro “Morte na República: os últimos anos de Pinheiro Machado e a política oligárquica”, sua tese de mestrado, a professora diz que o período entre a proclamação da República até a chegada de Getúlio ao poder ainda é pouco explorado por estudos e pesquisas acadêmicos, apesar do crescente interesse pelo recorte.

“A intensidade daqueles anos - marcados pela imigração, pela mobilização sindical, pela intensidade política para mencionarmos apenas alguns aspectos - sempre despertou meu interesse”, justificou. “Acredito que ainda existam inúmeras lacunas referentes ao período que merecem novos trabalhos e os estudiosos desta fase aguardam-nos com grande expectativa para o enriquecimento do debate.”





Professora de história no Colégio Pedro II e do Programa Nacional de Integração Profissional de Jovens e Adultos no ensino médio, Vera acredita que a pesquisa e o ensino devem “caminhar juntos” e serem percebidos como “indissociáveis”

“Muitas vezes, durante uma aula apresento para os alunos questões presentes na minha pesquisa acadêmica e as desenvolvo junto com eles.

É muito importante constituirmos o espaço da sala de aula como produtor de conhecimento”, sugere a professora que completa: “Em várias oportunidades surgiram ideias relevantes que foram por mim desenvolvidas. E isso foi muito bom para mim e para eles, pois estávamos juntos refletindo e produzindo.”


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